São Paulo (AUN - USP) - Que as mulheres estão mais que inseridas no mercado de trabalho, apesar das ainda existentes disparidades salariais e preconceitos diversos, ninguém pode negar. Mas quando existe uma “inversão de papéis” em uma relação: a mulher trabalhando fora de casa e o homem cuidando do lar? Isso pode ser um tanto conflituoso para ambas as partes, pois ainda estamos muito presos aos papéis sexuais tradicionais. “O preconceito vem da impossibilidade de compreender uma situação distinta daquela que, em geral, se julga como normal e aceitável. No campo da relação entre trabalho e gênero, há ainda uma maior aceitação da mulher trabalhando fora do que o homem realizando trabalhos domésticos”, de acordo com o psicólogo Marcelo Afonso Ribeiro, docente do Instituto de Psicologia da USP.
Um primeiro aspecto a ser levado em conta é que a sociedade é construída por papéis sociais e expectativas de scripts e atores sociais para cada papel. “Quando tínhamos uma sociedade mais homogênea e estável ao longo dos primeiros 70 anos do século XX, se consolidaram os papéis sexuais generalizantes: homem provedor e tendo que ter um trabalho remunerado fora de casa e mulher responsável pela maternagem, cuidados familiares e atividades de trabalho doméstico não remunerado, lhe sendo destinada algumas poucas funções, como por exemplo, professora e secretária, no mundo do trabalho”, diz Marcelo Afonso.
Com as mudanças sociolaborais iniciadas ao longo dos anos 1970, principalmente marcadas pelo movimento feminista e pela reorganização do mercado de trabalho, a mulher ingressa no mundo do trabalho realizado fora de casa e remunerado (importante sublinhar este aspecto, pois a mulher sempre trabalhou, mas não tinha seu trabalho reconhecido como trabalho) e começa a disputar espaço com o homem. Em termos socioeconômicos, diminuem os postos de trabalho e aumenta o desemprego, ocasionando, muitas vezes, que em um casal a mulher esteja trabalhando e o homem não.
Esta situação tem causado um incômodo nos homens, ainda presos aos papéis sexuais tradicionais, mas também tem gerado novas configurações e papéis sociais, como o caso em que o homem fica responsável pela casa e a mulher trabalha fora. Um homem que não se sente seguro com esse papel pode acabar transferindo sua falta de auto-estima para o relacionamento com sua esposa. Irritação e agressividade são sintomas frequentes. Muitos, por estarem emocionalmente instáveis ou por não quererem, acabam não se responsabilizando pelo serviço doméstico ou os cuidados com os filhos, o que traz mais problemas. Nesses casos, vale procurar tratamento psicológico e apoio nos familiares.
“O mais comum, entretanto, é que o casal trabalhe fora, mas a mulher ainda fique responsável pelas tarefas domésticas, o que configura uma dupla jornada de trabalho. Inclusive isto tende a acontecer mesmo se o homem estiver desempregado e, muitas vezes, não assume as tarefas domésticas”, completa o psicólogo.
O modo como os casais organizam seus papéis sociais e são reconhecidos socialmente depende do grupo sociocultural ao qual pertencem, sendo variável de grupo a grupo, ou seja, se você encontra reconhecimento social no desempenho de provedor para a mulher e de maternagem e cuidados domésticos pelo homem, isto criaria uma expectativa destes papéis não diretamente associados ao gênero e diminuiria qualquer impacto emocional.
Numa situação em que este reconhecimento não existe, o impacto emocional tende a ser maior, contudo é importante ressaltar que isto varia de pessoa a pessoa e que alguns estão mais submetidos às pressões sociais e reagem de forma diversificada.