São Paulo (AUN - USP) - Em todas as campanhas políticas recentes, os eleitores são bombardeados com promessas messiânicas, siglas e planos mirabolantes a fim de revolucionar a educação brasileira. Entretanto, obviamente, trata-se de um problema que não pode ser solucionado facilmente, como um coelho tirado de uma cartola. Uma dissertação de mestrado defendida no ano passado na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP procura ir além e tenta entender os motivos desse abismo educacional em que vivemos e em que sentido isso se tornou um problema político, social e econômico para o país.
A dissertação Instituições, Voz Política e Atraso Educacional no Brasil 1930-1964, que foi escrita por Thomas Hyeono Kang e defendida no ano passado, apesar de se prender a um determinado período histórico, traz à tona subsídios para a compreensão da situação atual do país. Um importante argumento é o de que a ausência de poder político é determinante para o não desenvolvimento econômico. No Brasil, esse é um processo ainda mais acentuado por culpa da escravidão negra, que levou uma boa parte da população a níveis educacionais quase nulos. Outro é a falta de realizações diretas por parte do governo na área educacional desde o século XIX: “A partir da época do Império, pelo menos, muitos [políticos] sabiam que a educação primária era um problema. Mas desse reconhecimento até uma política que realmente tenha efeito, há uma grande distância. O reconhecimento do problema não foi suficiente para que algo mudasse de fato”, conta Thomas Kang, em entrevista à AUN.
Ao ser questionado se, historicamente, há uma falta de interesse político propositadamente em relação a investimentos no ensino básico, o mestre em Economia acredita não ser esse o ponto específico: “Diria que a omissão (desde a época colonial) seria mais por indiferença do que por um movimento deliberado da elite para impedir o resto da população de ter acesso a conhecimento”. De acordo com ele, essa omissão criou dois Brasis, o que impede a criação de redes de colaboração e confiança entre o povo. “Falta de cooperação não significa deliberadamente puxar o tapete dos outros, mas puxa sem querer”.
Apesar de hoje soar óbvia aos olhos de qualquer um a forte relação entre desenvolvimento econômico e grau de estudo da população, isso nem sempre foi assim, segundo o especialista, por diversos motivos. “Primeiro: a educação não tem efeitos tão imediatos assim. Segundo: antigamente ela era relevante para o crescimento, mas (um pouco) menos do que hoje em dia”. Como ele explica, essa noção se desenvolveu quando se pôs em comparação o crescimento de países como o Brasil e os Tigres Asiáticos. No caso dos orientais, o desenvolvimento aconteceu com melhor distribuição de renda e alto nível de escolaridade. O mesmo não se pode dizer sobre o Brasil, que após um período fértil, viu sua economia estagnar-se e continuou com níveis de desigualdade elevados.
Em relação aos dias de hoje, nos quais é possível captar em boa parte da população o sentimento que o país está sendo mudado por ideias como o ProUni e a expansão do ensino técnico, o economista faz suas ressalvas. Apesar da consciência a respeito da importância da educação básica ter aumentado, e tais programas servirem como estímulo a não evasão escolar - “agora o caminho não necessariamente precisa ser a faculdade”, comenta -, ele pensa que o dinheiro poderia ser mais bem aplicado: “Tenho dúvidas acerca da recente expansão das universidades públicas. Penso que esses recursos poderiam ter sido utilizados para escolas do nível fundamental e médio. A situação do ensino básico brasileiro ainda é vergonhosa, como já dizíamos no século 19”.
Tal necessidade é tanta, ao olhar de Thomas, que, ao ser questionado sobre a precariedade de uma educação “politicamente direcionada”, ele resume seu pensamento: “Apesar de eu ser contrário a qualquer tipo de doutrinação política em escolas, acredito que, na situação em que se encontra o nosso ensino fundamental, isso se torna um assunto secundário – que deve ser discutido, mas não é o mais importante. Em primeiro lugar, precisamos de professores formados, preparados e que recebam um bom salário. Assim, é possível que parte de nosso atraso seja sanado”.