ISSN 2359-5191

07/04/2011 - Ano: 44 - Edição Nº: 07 - Sociedade - Faculdade de Direito
Grupo de estudos debate a justiça de transição no Brasil

São Paulo (AUN - USP) - Em meio a questões polêmicas no Brasil, como a revogação da lei de Anistia de 1979 e a criação da Comissão Nacional da Verdade, foi fundado, em 2009, o Idejust (Grupo de Estudos sobre Internacionalização do Direito e Justiça de Transição). O grupo é resultado de um convênio entre a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça e o Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (IRI/USP).

O processo de justiça de transição é especialmente importante para países que passaram por ditaduras, como o Brasil. Ele consiste na abordagem do sistema judiciário de uma democracia sobre os crimes e violações cometidos em um governo de exceção anterior. Envolve a abertura de arquivos, a divulgação dos acontecimentos, o julgamento de agentes de Estado acusados de cometer abusos e a reparação de vítimas.

Com o objetivo de formar uma rede acadêmica para compartilhar trabalhos desenvolvidos na área, o grupo reúne pesquisadores, professores e alunos da USP, sobretudo da Faculdade de Direito, e de outras universidades do Brasil e do exterior. Lideranças sociais, vítimas e organizações envolvidas com o tema também podem participar do projeto.

Conhecimento mútuo
Formado, em sua maioria, por profissionais dos campos de direito, relações internacionais, história e sociologia, o Idejust realiza semestralmente um encontro temático para apresentar os resultados das pesquisas e recrutar novos membros. Este ano a reunião ocorrerá em Brasília no mês de julho, com o tema “Leituras do Caso Araguaia”.

Deisy Ventura, professora do IRI e uma das fundadoras do Idejust, acredita que esse intercâmbio de informações é muito importante para o desenvolvimento do conhecimento na área. “Nos demos conta de que havia muita gente no Brasil trabalhando com essas questões e não havia um âmbito em que a gente pudesse se encontrar. É uma rede de informação e isso é muito bacana. Sozinho a gente não consegue acompanhar tudo o que está acontecendo.”

Deisy afirma que a idéia nunca foi criar uma instituição ou arrecadar recursos. O objetivo principal do grupo é colocar em rede o que já existe, para que os participantes posam “se ajudar e crescer”. Ela explica que a relação do Idejust com a Comissão de Anistia também se dá nesse sentido: “[A relação] é muito menos institucional e muito mais de conteúdo, para a gente acompanhar o trabalho eles estão fazendo.”

Internacionalização
A colaboração de pessoas e entidades de fora do país com o Idejust é cada vez maior. Deisy afirma que a tendência é internacionalizar o grupo. “A gente ficou impressionado com o número de colombianos que participaram [da última reunião]. Em julho, nós vamos fazer um evento com o Centro Internacional de Justiça de Transição, que nos primeiros dias vai trazer pesquisadores de todo o mundo”.

A professora destacou ainda a aproximação com o Centro de Estudos Legais Sociais da Argentina e o Centro pela Justiça e Direito Internacional, uma ONG criada em conjunto por organizações da América Latina e do Caribe. A importância do diálogo com os institutos internacionais é avaliar a situação da justiça de transição no Brasil em comparação com os outros países que sofrem processos parecidos.

Também é notável a preocupação das diplomacias internacionais, sobretudo da América Latina, com relação à justiça de transição brasileira. Em dezembro de 2010, a Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) condenou o país pela não punição dos responsáveis por mortes e desaparecimentos na Guerrilha do Araguaia (1972-1974).

Sobre a condenação, Deisy acredita que as conseqüências para o Brasil dependerão do quanto cumpriremos das decisões da Corte Interamericana. Para ela, o Brasil respeitará alguns elementos da resolução, como publicar a decisão da corte e reparar as famílias. Já no que diz respeito ao julgamento dos responsáveis e ao acesso aos arquivos, os principais pontos da decisão, Deisy afirma que “são dois pontos complexos. E nós percebemos que o governo está nessa discussão, mas não sabemos quem vai predominar. Essa é a grande questão política da memória”.

Mas Deisy se diz esperançosa quanto ao governo de Dilma Rousseff. Ela conta que na última Caravana da Anistia, realizada no dia 17 de março na PUC-SP, o ministro da justiça, José Eduardo Cardozo, ofereceu todo o apoio ao trabalho da Comissão de Anistia. “Ele fez um discurso muito forte em favor da verdade”, comenta.

Memória e verdade
A verdade é a principal questão quando se debate a justiça de transição. Para Deisy, o maior desafio do grupo é “colocar luz sobre o que ocorreu”. A pesquisadora critica a falta de coragem do governo e da sociedade brasileira quando se trata da Ditadura Militar.

“O brasileiro é muito bacana porque condena a ditadura em qualquer lugar do mundo, mas tem uma dificuldade enorme para falar sobre a [nossa] ditadura, que ocorreu durante tantos anos e com a colaboração de tantos civis. Muitas pessoas que viveram naquela época não tinham dimensão do que estava acontecendo e os jovens têm tudo para não ter entendimento se nós não falarmos sobre isso”, analisa.

Trazer o assunto à tona é importante para a construção da memória histórica do nosso país. E também para acabar com certas “inversões” que ainda existem por aqui. “Esse nosso ‘não falar sobre’ e essa tentativa de dizer que ‘não foi tão grave assim’ permitem que hoje a gente tenha colaboradores da ditadura ocupando bons cargos na política, que a gente aceite a tortura, que a gente aceite que a polícia nos maltrate na rua, que a gente tenha medo de ir a uma delegacia. O medo das autoridades do Estado é algo herdado da ditadura”, declara Deisy.

Para ela, enquanto não encararmos o que aconteceu, não superaremos essas distorções. “O único problema da nossa comissão da verdade é que ela chega tarde”, atesta.

A luta das famílias
O Idejust procura manter contato com as famílias de pessoas mortas ou desaparecidas durante a ditadura militar. Segundo Deisy, o convívio com as famílias é muito enriquecedor. “Estamos sempre atentos para ouvi-los, é uma participação que a gente valoriza muito”, afirma. Todo o conteúdo produzido está disponível no blog do Idejust (www.idejust.wordpress.com) para “facilitar a vida de quem está lutando”.

E, nessa luta, o Idejust não é uma rede neutra. Deisy é convicta quando afirma quais são seus objetivos. “Nunca percebi essa luta na perspectiva de querer ver alguém preso. Não quero que eles [os agentes de Estado que praticaram crimes] sejam demitidos, torturados, exilados, banidos. O que todos nós queremos é que eles sejam processados. E quem é inocente quer o processo porque o processo é o lugar de demonstrar sua inocência.”

A Anistia é reconstruir a sociedade com base no perdão. Mas Deisy contesta: “Perdão do que se eu não sei o que houve?”. Para ela, o processo é o lugar de mostrar a verdade.

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