São Paulo (AUN - USP) - Doze anos atrás, no longínquo 1999, mal sabiam os estudantes americanos Shawn Fanning e Sean Parker que ao criar o Napster – um serviço de troca de canções pela internet – eles acabariam por revolucionar a maneira como se ouve, vê, produz e ganha dinheiro com música. Uma recente tese de mestrado defendida na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP (FEA-USP) procura analisar de que maneira a cultura de compartilhamento de arquivos de música – algo que começou com a dupla Fanning/Parker – e a compra de CDs piratas influencia o consumo e o arrecadamento de artistas e gravadoras no Brasil nos últimos anos.
A dissertação, escrita por Igor Siqueira Cortez, baseou-se em uma pesquisa feita com 7.147 estudantes da USP. No trabalho, dois tipos de questões foram feitas aos entrevistados. Uma série delas se ocupou com hábitos relacionados diretamente ao assunto do trabalho, como quantidade de CDs originais e piratas comprados e downloads feitos recentemente. Outra parte dizia respeito a costumes e conhecimentos “marginais”, como habilidade com informática e tolerância à ilegalidade.
O resultado final da enquete assusta: a prática de downloads reduz a chance de consumir CDs originais em até 45%. Em contrapartida, a probabilidade de ir a um espetáculo musical aumenta em 35%. A hipótese sustentada pela tese é a de que, com a internet, há maior acesso a diferentes obras – o que antes só era possível com a compra dos discos (legal ou ilegalmente). A compensação nos shows é fruto de um excedente que o indivíduo possuiria para gastar com entretenimento musical.
Entretanto, não se trata de uma conclusão tão simples. Um exemplo de sua complexidade é a atitude de indivíduos que não compram CDs piratas, mas se utilizam do acervo disponível na web. “O principal argumento desses indivíduos é que, ao baixar uma música, nenhuma organização criminal está sendo beneficiada, justamente porque o ato de download não envolve transações monetárias”, explica o acadêmico. O consumo de CDs piratas também diminui com a aparição dos serviços virtuais: “Como economista, acredito que um indivíduo racional sempre opta pelo que é mais barato, mantida a mesma qualidade. Ao ter acesso à internet, baixar arquivos parece mais vantajoso do que comprar um CD pirata, que envolve custos econômicos e morais”, declara Igor, em entrevista à AUN.
No que diz respeito aos indivíduos que tem resistência à pirataria, a queda no consumo de CDs originais pode ser explicada a partir do aumento dos downloads pela hipótese de que as pessoas se tornam mais seletivas com seu dinheiro. “A pessoa ia numa loja e comprava cinco CDs sem saber o que esperar. Agora a mesma pessoa compra apenas um disco, do artista que ela gostou mais entre os que conheceu via internet”, explica Cortez.
Uma das questões pertinentes abordadas por Igor é a da queda de faturamento da indústria fonográfica, mesmo com essa compensação financeira feita pelo aumento da procura por shows. “O fato de as gravadoras estarem decrescendo seus lucros é devido ao fato de seus contratos com artistas não captarem a renda proveniente de shows e apenas sobre vendas de CDs e reprodução em rádio e TV”.
Ele ainda comenta a respeito da falta de visão por parte das gravadoras em não perceber um mercado em potencial, algo que ocorreu, por exemplo, com a Apple de Steve Jobs: “Acho que os aparelhos MP3-player são um bom indicador do quão míope é a indústria fonográfica, que não percebeu a janela de oportunidade que tinha para produzir uma nova gama de dispositivos que não são ilegais e ao mesmo tempo extremamente lucrativos. Já a indústria de tecnologia entendeu isso muito bem. O que é irônico, porque as gravadoras sempre foram muito dependentes de tecnologia avançada, muito antes da invenção do Napster, e parece que elas ignoraram o surgimento de uma demanda por música digital.”
Porém, é possível que o maior legado do Napster seja ter tornado os artistas menos dependentes de gravadoras. Para Igor, “a internet basicamente atua como uma grande gravadora universal e grátis. Hoje qualquer banda pode colocar suas músicas a disposição para baixar”. A divulgação também é facilitada: a partir de poucos gastos, uma banda pode espalhar suas ideias por aí, através de um site ou via redes sociais. “Outro ponto é que o custo da tecnologia para produzir música baixou consideravelmente: não é preciso mais esperar anos e anos para entrar num estúdio de gravação. Tudo isso tem auxiliado o mercado de música alternativa”. E é possível dizer que da música como um todo.