São Paulo (AUN - USP) - A situação do edifício era precária, desestruturada, perigosa. O cenário era desagradável, sujo, desolador. O cortiço de oito andares da rua Sólon, no bairro do Bom Retiro, era visto como um elemento estranho e degradante pelos moradores do bairro. Mais do que isso, era considerado um antro de marginais por boa parte das pessoas que viviam nas redondezas. No entanto, agora a fachada do prédio é bela, o edifício é organizado e estruturado, os riscos aos moradores diminuíram sensivelmente, e a qualidade de vida deles aumentou. Mais do que isso, os moradores, vivendo em um espaço próprio, sentem-se mais felizes, incluídos no bairro. Todas essas mudanças foram desencadeadas por um projeto desenvolvido em parceria entre a Faculdade de Saúde Pública (FSP), a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) e o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) – os três da USP, e os moradores do edifício.
Baseada nesse projeto, Patrícia Brant Mourão lançou no dia 28 de março o livro Gerenciamento de Riscos em Habitações Precárias – Percepções, novas ambiências e novos ambientes. Na obra ela explica todo o processo de reestruturação do cortiço, iniciado em 2002. “Tivemos uma percepção social do problema, e ficamos muito preocupados com o sentimento de exclusão e inferioridade que havia entre os moradores”, afirma a assistente social, que defendeu doutorado sobre o tema.. “Como o poder público tinha dificuldades em tomar ações preventivas, foi necessário implantar uma nova metodologia de gerenciamento dos riscos ambientais que o edifício causava aos moradores”, completa.
Segundo ela, o projeto foi pensado em conjunto com os moradores desde o início. Também participaram os professores Carlos Celso do Amaral e Silva (FSP) e a professora da Maria Ruth Amaral de Sampaio (FAU), que coordenou o projeto. A partir de uma avaliação dos riscos e dos possíveis métodos para gerenciá-los, foi criada uma consciência coletiva e uma ação participativa. Com a ajuda dos pesquisadores e acadêmicos, as próprias pessoas que viviam no local se organizaram para melhorar suas condições de vida. No início foram estabelecidas novas formas de avaliar e perceber o espaço e nele interagir. Por meio da melhoria do convívio e do surgimento de uma identidade comunitária, foi possível estabelecer novas maneiras de organização, de modo que as medidas implantadas tivessem maior efetividade, diminuindo sensivelmente os riscos aos moradores.
As más condições e a falta de estrutura do prédio deviam-se ao fato de que se tratava de uma construção inacabada, que foi sendo finalizada individualmente, ou seja, cada morador terminou de construir a área que ocupava. Além disso, não havia respeito e senso de convivência entre eles. Como consequência, o cortiço vertical foi adquirindo inúmeros problemas. Os principais eram a falta de espaço para tantas famílias, a rede e a distribuição elétrica precárias - o que podia causar um incêndio a qualquer momento, portões de ferro nos andares impedindo fugas em eventuais emergências, rede de esgoto suspensa e desestruturada - o que provocava queda de dejetos e alagamento das passagens de pessoas e propiciava a proliferação de doenças, ratos e insetos, lixo espalhado pelas áreas comuns - produzindo maior sujeira e dando ainda mais condições para a propagação de doenças e animais, ausência de ventilação e iluminação, escadas e passagens inacabadas – o que trazia o risco de quedas aos moradores, e janelas frágeis e cheias de objetos, que poderiam cair a qualquer momento.
Após a percepção e análise de todos esses problemas, os pesquisadores passaram a propor e implantar medidas para melhorar as condições do cortiço. Em 2004, um princípio de incêndio motivou ainda mais os moradores e impulsionou a reforma geral do prédio.
Diversas ações contribuíram para o gerenciamento dos riscos ambientais, físicos e de saúde. Pode-se destacar a redução de 72 para 42 famílias vivendo no local, os mutirões de limpeza do prédio e de reciclagem, a colocação de janelas mais seguras e espaçosas, a reforma da rede e das instalações elétricas, retirada dos portões de ferro dos andares, a criação de regras de convivência, a mudança dos comportamentos e hábitos, a reforma da fachada, a instalação de um portão de entrada, a troca e renovação da rede de esgoto e a capacitação de 23 pessoas para a prevenção e o combate a incêndios, além da aquisição de extintores.
Para realizar todas essas ações, os moradores receberam diversas doações e contribuições de organizações públicas e privadas. Com as reformas e medidas, a situação do prédio mudou radicalmente. O cortiço da rua Sólon passou a ser chamado de Edifício União. A qualidade de vida e a autoestima dos moradores aumentaram e a relação com o resto do bairro melhorou. Mais do que isso, eles passaram a perceber o espaço como próprio deles e, o que permitiu o surgimento de uma consciência coletiva e colaborativa, vital para a implementação uma eficiente metodologia de gerenciar os riscos que existiam no prédio. De acordo com Patrícia, as condições ambientais, sociais e de saúde dos moradores melhoraram sensivelmente.
O projeto venceu em 2008 o prêmio Urban Age, destinado a soluções criativas para a melhoria de condições em habitações precárias. A pesquisadora afirma, ainda, que ele pode ser expandido para mais áreas da cidade de São Paulo. No Brasil, mais de 12 milhões de pessoas vivem em habitações precárias e grande parte da população tem dificuldades para encontrar emprego e moradia qualificados. Diante desta situação, o novo método de gerenciamento de riscos ambientais e de saúde em habitações precárias pode vir a ser uma alternativa interessante para inúmeros brasileiros.