São Paulo (AUN - USP) - Na Tunísia, no Egito e na Líbia, a população se levantou contra as ditaduras locais. Essas revoluções foram amplamente discutidas no debate As revoluções nos países árabes no século XXI, evento realizado pelo Centro de Estudos Árabes do Departamento de Letras Orientais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP (FFLCH). Participaram professores da unidade e também do Instituto de Relações Internacionais da USP (IRI).
O professor da FFLCH, Mamede Mustafa Jarouche, estava no Egito durante a revolução que começou no dia 25 de janeiro e se prolongou até a derrubada do ditador Hosni Mubarak em 11 de fevereiro.
Ele relatou as dificuldades que encontrou vivendo em meio à crise. “Havia escassez de gêneros alimentícios e problemas de circulação de moeda. Dizia-se que o próprio governo promovia essas dificuldades para criar um ambiente contra os revolucionários”. Essa foi a forma que o governo encontrou para mostrar-se necessário.
A revolução foi feita pelos jovens por meio da ocupação de espaço público e enfrentamento da repressão. Então, “o Estado não resistiu ao desafio da sua autoridade”, diz Mustafa. “O processo está em andamento. O que muitos observadores e cientistas políticos dizem é que o mundo árabe nunca mais será como antes, por mais que haja derrotas agora. Acabou-se uma fase histórica, não do Egito, mas do mundo árabe”.
Oposição à ditadura
“É sempre bom lembrar que esse ano começou dizendo pra todo mundo que revoluções são possíveis. Essa é a primeira lição de todas”, diz Luiz Gustavo Porfírio, aluno de pós-graduação da FFLCH. As revoluções árabes formam um novo cenário mundial, “gerado a partir não da vontade dos de cima, mas da vontade dos de baixo”, diz ele.
As populações dos países árabes se levantam contra as ditaduras que chegaram ao poder com o movimento nacionalista árabe dos anos 50. O professor do Departamento de História da FFLCH, Osvaldo Coggiola, diz que essas revoluções democráticas são árabes pela forma, mas se inserem no contexto mais amplo da crise mundial de 2008.
A alta dos preços, o arrocho salarial e a crise de alimentos levam a uma situação revolucionária. “No Egito, havia muitas organizações clandestinas que se contrapunham aos planos de continuidade de Mubarak”, diz Porfírio. Justamente essas organizações se mobilizaram no contexto da crise econômica para realizar duas greves em 2006 e 2008.
Isabele Somma, doutoranda da FFLCH, apresentou um pouco da história da Irmandade Muçulmana, que é o principal grupo de oposição egípcio. O lema da Irmandade, “O islã é a solução”, suscita o medo de que o fundamentalismo islâmico tome o poder no país, mas “o fato de a Irmandade ter o objetivo de se tornar um partido não é uma ameaça à democracia”, afirma Isabele.
O jogo das potências
Porfírio afirma que “o primeiro inimigo da revolução é o imperialismo porque FMI, Banco Mundial, EUA e Europa fazem vistas grossas à corrupção do governo Mubarak”.
A professora do IRI, Deisy Ventura, ressaltou a necessidade de “desnudar a hipocrisia dos discursos” das grandes potências do Conselho de Segurança da ONU – Estados Unidos, Rússia, China, Reino Unido e França.
Os ataques à Líbia são amparados pelo princípio da “responsabilidade de proteger”, ou seja, quando um Estado não é capaz de assegurar os mínimos direitos da sua população civil, a comunidade internacional teria a responsabilidade de proteger essas populações tomando as medidas necessárias. Sendo assim, o Conselho de Segurança da ONU aprovou a resolução 1973, que é fundada nesse princípio e autoriza o uso da força na Líbia.
Portanto, “a intervenção militar que está ocorrendo hoje na Líbia é apresentada à opinião pública mundial como um grande progresso do direito internacional e dos direitos humanos”, diz Deisy. No entanto, para a professora, esse tipo de intervenção pode deflagrar conflitos e, muitas vezes, a ação dos Estados se pauta pelos seus interesses particulares e não pela perspectiva humanitária.
“O que leva à intervenção na Líbia por parte dos EUA é a questão energética e a posição geoestratégica do país. Já na intervenção da França há outro elemento fundamental: a imigração. A Líbia sempre cooperou com a política imigratória inaceitável da União Europeia, inclusive patrulhando os mares da Europa para impedir a chegada de refugiados”, diz Deisy.
Para priorizar os direitos humanos independentemente de nacionalidade, economia ou recursos naturais, Deisy sugere uma troca nas instâncias decisórias da ONU. “Se alguém der ao Conselho de Direitos Humanos da ONU a competência para analisar a aplicação de sansões, a intervenção militar e o uso da força posso começar a conversar. Enquanto estivermos imaginando que são os cinco membros com poder de veto do Conselho de Segurança que decidirão onde se jogará bombas em nome da humanidade, estaremos traindo a ideia de base da responsabilidade de proteger”, diz ela.
Dia da Terra
O debate acerca do mundo árabe se deu justamente no Dia da Terra. Essa data relembra 30 de março de 1976, quando seis árabes palestinos foram assassinados pelo exército israelense em meio a uma manifestação pacífica contra a ocupação da Palestina. A Frente Palestina da USP, que estava presente no debate, relembrou essa situação de conflito no Oriente Médio.
Porfírio também aponta o sionismo como um inimigo contra o qual as revoluções árabes se levantam. “A organização do Estado de Israel foi feita à revelia dos árabes palestinos e o Dia da Terra é comemorado em homenagem a esses árabes”.
Refugiados palestinos, que vivem no Brasil, também assistiram ao debate. Donya Mostafa Baltaji deixou, inclusive, uma mensagem ao “amável povo brasileiro”. No alto da sua experiência como palestina que viu seu povo ser expulso por Israel, ela aconselha “não deixe que ninguém interfira na vossa terra, no vosso país”.