ISSN 2359-5191

29/04/2011 - Ano: 44 - Edição Nº: 17 - Sociedade - Instituto de Relações Internacionais
Professor convidado discute a primavera árabe no IRI

São Paulo (AUN - USP) - O professor do Departamento de Letras Orientais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP (FFLCH), Paulo Farah, dividiu seus pensamentos e suas experiências sobre o mundo árabe na palestra “A Primavera Árabe: possibilidades e limites dos movimentos recentes”, realizada pelo Instituto de Relações Internacionais da USP (IRI).

Farah é professor de literatura árabe e também leciona história na pós-graduação. É diretor da BibliASPA, que é a biblioteca e o centro de pesquisa do grupo de países da Aspa (América do Sul – Países Árabes). Além disso, fez pós-graduação em países árabes, adquirindo vasta experiência na região.

Os movimentos atuais nos países árabes não são fenômenos isolados na opinião do pesquisador. Esse tipo de mobilização vem acontecendo nas últimas décadas. “A ideia de primavera árabe é importante, mas já houve outras primaveras em diversos países árabes. Há tentativas várias de movimentos”, diz ele.

O grupo de países árabes compreende 22 países e, atualmente, Líbia, Egito, Tunísia, Síria, Jordânia, Iraque, Argélia, Marrocos, Sudão, Omã e Mauritânia são os países palco de manifestações populares, segundo Farah.

Todos esses movimentos populares ainda estão em aberto e continuam a acontecer. “A busca de perspectivas de melhoria de vida e de uma relação diferente entre governo e sociedade continua forte. É possível utilizar o conceito de revolução permanente, uma revolução que está sempre aberta e não tem um desfecho”, diz ele.

Populações insatisfeitas
Os movimentos mais recentes, com destaque para Líbia e Egito, têm em sua raiz, basicamente a mesma razão de ser. Farah aponta motivações políticas e socioeconômicas para os levantes populares. “Algo que percorre todos esses movimentos populares é a não existência de uma voz que seja ouvida pelos governantes. As tentativas de participação política são sistematicamente negadas”, diz ele.

Entre as questões socioeconômicas destaca-se a pobreza, a desigualdade social, a corrupção, o regimes ditatoriais, o desemprego, a falta de uma educação de qualidade e também questões sanitárias.

No entanto, há fatores que desempenham papéis maiores nesses movimentos dependendo do país. No Egito, “um dos fatores mais fortes é a incapacidade dos governantes de se comunicarem com as suas populações e atenderem minimamente as suas reivindicações”, diz Farah. “Já na Líbia, uma anseio por uma maior participação política seria o principal motivo dessa insurreição”.

Um grande desafio para os países árabes é a criação de postos de trabalho. A taxa de desemprego entre os jovens com menos de 25 anos chega a 25%, o dobro da média mundial. Farah também explica que o número de desempregados é mais elevado entre aqueles que tem mais anos de estudo. No Egito, o desemprego entre universitários graduados é 10 vezes maior do que o desemprego entre pessoas com o nível escolar básico. “Isso é alarmante. Imagina uma pessoa se dedicar ao estudo e ter uma perspectiva cada vez maior de desemprego em vez de ser o contrário”, diz o professor.

Segundo Farah, os países árabes representam 5% da população mundial, mas só respondem por 3% do PIB global (US$ 1,9 trilhão). A ideia de riqueza da região devido ao petróleo é um mito e, mesmo dentro de países pobres, há muita desigualdade social. “É uma pena que as pessoas só tenham ideia desses locais com uma renda tão alta”, diz ele. Os níveis de renda per capita são muito variáveis: na Mauritânia são US$ 960, já no Catar são US$ 66.800.

Somos todos árabes
As populações árabes são atravessadas por três tipos de identidade: a nacional, a muçulmana e, acima de tudo, há uma identidade árabe que passa pela língua. “O pan-arabismo se fortaleceu com as revoluções, já o pan-islamismo não teve o mesmo peso, o que não apaga a importância do Islã na cultura desses países”, diz Farah.

Essa identidade árabe pode suscitar generalizações errôneas como o senso comum no Ocidente de que todos os árabes são muçulmanos e donos de poços de petróleo. Há diferenças sociais, religiosas e culturais entre esses países e também dentro de um mesmo país. “Essa ideia que a mídia traz de países completamente monolíticos e homogêneos é totalmente falsa”, diz o professor.

A diversidade se reflete na participação da população nos movimentos da primavera árabe. No Egito, por exemplo, muitos setores da sociedade saíram para protestar na praça Tahrir. As mulheres chegaram a convocar pessoas para a manifestação, mostrando que ser mulher e ser muçulmana não é antagônico à participação política. Os jovens também foram fundamentais, os menores de 25 anos são maioria em 15 dos 22 países árabes. “É uma população jovem muito grande e com muitos anseios. E o desemprego atinge essa população especialmente”.

Interesses do Ocidente
O relatório Arab Human Development Report, da ONU, aponta o conhecimento tecnológico como um dos déficits da região. “A região já teve a ‘Idade de Ouro’ do século 9 ao 13. Europeus e asiáticos viajavam em busca do conhecimento árabe, como a matemática, por exemplo. Hoje é o contrário”, diz Farah.

Os países árabes buscam conhecimento tecnológico, mas têm dificuldade para transferência de tecnologia, pois não encontram aberturas no Ocidente. O relatório da ONU afirma ainda que, para países não-árabes, é conveniente que essa situação se mantenha porque as grandes potências têm interesse no petróleo e receiam que a democratização árabe resulte no fortalecimento de partidos islâmicos.

Farah ressalta a importância do petróleo nas operações na Líbia, por exemplo, embora a questão não tenha um papel fundamental na maioria dos outros países. “Há acertos para que as ditaduras árabes permaneçam no poder por meios de acordos que garantam o fluxo do petróleo, que é o que interessa para muitas potências”. A região controla 68% das reservas mundiais comprovadas. Em alguns países do Golfo, 75% da renda nacional advêm do produto, o que indica também uma necessidade de diversificação da economia da região.

Quanto ao medo de que partidos islâmicos tomem o poder através da democracia, Farah diz que “essa preocupação é excessiva e, por vezes, manipulada, existindo menos na região do que externamente”. Atualmente, nos países árabes de regime fechado, permite-se algum nível de democratização, mas não há liberdade para a participação de partidos islâmicos nas eleições justamente para garantir os negócios petrolíferos com o Ocidente.

“A questão é esses partidos islâmicos venceriam eleições e seriam o governo em algum desses países? Eu arriscaria dizer que a resposta é não”. Para Farah, esses partidos não tem participação central e preponderante em nenhum dos movimentos. “A irmandade muçulmana do Egito apóia os protestos, mas não se sobrepõe aos movimentos de cunho social”.

O Brasil no mundo árabe
O Brasil tem tomado posições acerca das grandes questões acerca do Oriente Médio desde a Segunda Guerra Mundial e, como não tem uma imagem desgastada na região, assume um papel importante nas relações com os países árabes.

Farah vê “uma atuação bastante coerente do Brasil nos movimentos da primavera árabe” porque o país condenou as violações dos direitos humanos na Líbia e se absteve de uma votação pela zona de exclusão aérea daquele país. Ao mesmo tempo, manifestou sua preocupação de que populações sejam atingidas indiscriminadamente como já ocorreu em outros países da região.

Por iniciativa do Brasil, em 2005, teve lugar em Brasília a primeira cúpula da Aspa (América do Sul – Países Árabes) que reúne 34 países. Desde então, as relações políticas, culturais e acadêmicas cresceram entre esses países. A ampliação do comércio entre o Brasil e os países árabes também é expressiva. Foram US$ 5,48 bilhões em 2003 e US$ 19,54 bilhões em 2010.

O professor ressalta as recentes aberturas de embaixadas brasileiras na Palestina, no Sudão, na Mauritânia, no Catar e em Omã. Desde 2006, o Brasil também é observador da Liga dos Estados Árabes, grupo fundado em 1945, que reúne os países árabes com o objetivo de garantir o equilíbrio político na região.

Leia também...
Nesta Edição
Destaques

Educação básica é alvo de livros organizados por pesquisadores uspianos

Pesquisa testa software que melhora habilidades fundamentais para o bom desempenho escolar

Pesquisa avalia influência de supermercados na compra de alimentos ultraprocessados

Edições Anteriores
Agência Universitária de Notícias

ISSN 2359-5191

Universidade de São Paulo
Vice-Reitor: Vahan Agopyan
Escola de Comunicações e Artes
Departamento de Jornalismo e Editoração
Chefe Suplente: Ciro Marcondes Filho
Professores Responsáveis
Repórteres
Alunos do curso de Jornalismo da ECA/USP
Editora de Conteúdo
Web Designer
Contato: aun@usp.br