São Paulo (AUN - USP) - Os anfíbios são conhecidos por possuírem algumas características peculiares, como o ciclo de vida dividido em duas fases, uma aquática e outra terrestre. No entanto, entre as particularidades dos anfíbios, talvez a mais interessante delas seja que existem em sua pele algumas bactérias com potencial para combater patógenos não só dos próprios anfíbios, como já se é esperado, mas também de humanos. O fato foi constatado na dissertação de mestrado Análise sobre a microbiota cutânea de anfíbios em fragmentos de Floresta Atlântica e sua eficácia contra agentes patogênicos, de Ananda Brito de Assis.
Orientada pelo professor Carlos Arturo Navas Iannini do Laboratório de Ecofisiologia e Fisiologia Evolutiva do Instituto de Biociências (IB), a pesquisa estudou quatro espécies de anuros, ou seja, grupos de anfíbios sem cauda, do qual fazem parte os sapos, rãs e pererecas. Essas espécies são Proceratophrys boiei, Aplastodiscus leucopygius, Phyllomedusa distincta e Dendropsophus minutus.
Ananda retirou amostras das comunidades microbianas presentes na pele dessas quatro espécies e isolou as bactérias in vitro. Após essa etapa, realizou testes com agentes infecciosos que atacam os anfíbios e, paralelamente, também testou bactérias causadoras de patologias em humanos. Como resultado, conseguiu descobrir que essas bactérias possuem a capacidade de inibir importantes patógenos. Alguns deles são: Streptococcus epidermidis, causadora de furúnculos e abcessos; Staphyllococcus aureus, que, entre outras muitas outras infecções, causa foliculite, osteomielite e pneumonia; Pseudomonas aeruginosa, causadora de infecções hospitalares; Escherichia coli, que pode causar, entre outras patologias, meningite, apendicite e infecções do trato urinário.
Influência de ambientes antropizados
As quatro espécies foram estudadas em dois contextos diferentes: áreas da Mata Atlântica contínuas e fragmentadas. “A fragmentação influencia o perfil desses microorganismos que estão na pele desses anuros, ou seja, se você compara, por exemplo, os anfíbios que estão em uma mata muito contínua, grande e os que estão em um fragmento menor percebe que isso influencia nessas características”, explica Navas.
Segundo Ananda, as áreas mais fragmentadas, com remanescentes da mata original são adequadas para o estudo o contexto das alterações antrópicas. “Essas áreas possuem algumas variáveis químico-físicas que são importantes, não só para as bactérias, mas também para os animais que vivem nesses locais”.
As matas remanescentes possuem, por exemplo, variações de temperatura bem diferenciadas das áreas conservadas, assim como incidência de radiação ultravioleta (UV-B) e de ventos, além disso, elas também recebem aportes químicos de ambientes adjacentes.
Um forte indicativo da importância da paisagem para a microbiota cutânea dos anfíbios é a constatação, nessa pesquisa, de que existem diferenças nas densidades e riquezas microbianas entre as áreas contínuas e fragmentadas. Para a espécie Proceratophrys boiei, por exemplo, os anfíbios nas áreas que sofreram impacto, possuem uma densidade de bactérias muito superior aos que estão nas áreas contínuas. “Uma das questões que pretendo responder na minha tese de doutorado é sobre a composição e abundância relativa dessas comunidades microbianas. Assim, poderemos entender a relação entre bactérias inibidoras de patógenos e os patógenos oportunistas que convivem sobre a pele desses animais”, conta Ananda.
Morfotipos
O estudo apontou que existem diferenças muito grandes de número e densidade de microorganismos de espécie para espécie. “Há espécies que mantém diversos tipos de microorganismos diferentes, nesse caso bactérias, é o que chamamos de morfotipos”, explica Navas. “Morfotipos porque as colônias bacterianas são inicialmente diferenciadas pelas características de crescimento, durante os cultivos no laboratório. Por exemplo, são diferenciados por cores e formas, daí o nome, morfotipos.”
De acordo com Navas, a maioria das bactérias vem do ambiente e se instalam na pele dos anfíbios, não sendo específicas desta. “Cada espécie parece ter um perfil de comunidade microbiana”, diz Navas. “Os morfotipos que chegam a cada espécie são diferentes e isso provavelmente se deve a características químicas da pele que varia muito de espécie para espécie e ao tipo de ambiente que estas habitam”, completa. Ao todo, na pesquisa foram identificados 214 morfotipos de colônias bacterianas na pele dos anfíbios.
Fungo Batrachochytrium dendrobatidis
Ananda também pretende aprofundar em seu estudo de doutorado, estudos sobre o fungo Batrachochytrium dendrobatidis, que é apontado hoje como um dos principais agentes infecciosos para os anfíbios. Segundo ela, muitos autores têm associado esse fungo aos eventos de declínio e extinção de anfíbios. “Pretendo saber se essa comunidade bacteriana pode produzir um efeito contra esse fungo, assim como ela teve contra outros patógenos que já testei”.