ISSN 2359-5191

18/05/2011 - Ano: 44 - Edição Nº: 29 - Saúde - Faculdade de Saúde Pública
Pesquisa analisa influência dos gostos alimentares no estado nutricional de crianças

São Paulo (AUN - USP) - A menina corre pela casa com o refrigerante na mão. Não para de sugar o líquido do canudinho. Ao passar pela cozinha, belisca a batata frita que a avó está fritando. Não se aquieta, abre a geladeira e come uma longa fatia de queijo. Quinze minutos antes do almoço de Páscoa, a criança senta no sofá e se delicia com o ovo de chocolate que ganhou mais cedo. Aos cinco anos de idade, Emily já está acima do peso e não consegue parar de comer. Não é a única.

Boa parte da população infantil brasileira sofre o mesmo problema de Emily. Cerca de um terço das crianças de 5 a 9 anos em nosso país têm excesso de peso, segundo pesquisa realizada, em 2009, pelo IBGE e Ministério da Saúde. E foi esse excesso de peso entre as crianças brasileiras que motivou a nutricionista Isa Maria de Gouveia na pesquisa para sua tese de doutorado pela Faculdade de Saúde Pública (FSP-USP), defendida no último 1º de abril. Ela se perguntou: “Será que as crianças gostam das mesmas coisas? O ‘gordinho’ come o mesmo que o ‘magrinho’?”. A partir desses questionamentos Isa procurou avaliar o quanto o gosto pelos alimentos e o quanto a postura dos pais influenciam na prática o estado nutricional das crianças.

A nutricionista trabalhou com 400 crianças, de 4 a 6 anos, de cinco pré-escolas vinculadas à USP. Quatro etapas construíram o processo de pesquisa. O primeiro deles foi uma avaliação do estado nutricional das crianças, com medição do peso, da estatura e do IMC (Índice de Massa Corpórea). Foram realizadas duas dessas avaliações, uma em 2005 e outra em 2008.

Em seguida, Isa classificou-as dentro dos grupos “peso adequado” e “excesso de peso”, e este último foi dividido entre acima do peso e obesos. Cerca de 31,9% dos pré-escolares apresentaram excesso de peso, sendo que 22,2% estavam acima do peso e 9,7% eram obesos, algo que vai de encontro à situação geral brasileira apresentada pela pesquisa do IBGE. Em relação à questão do sexo, uma pequena diferença foi identificada: tinham excesso de peso 34,6% dos meninos (9,5% obesos e 25,1% acima do peso) e 29,2% das meninas (9,8% obesas e 19,4% acima do peso).

Na terceira etapa, a pesquisadora analisou a alimentação habitual e os gostos das crianças. Foram utilizados 29 alimentos, vindos de todos os grupos nutricionais, como purê, bolacha, macarrão, alface, bife, frutas, chocolate, legumes e salgadinhos. Em uma sessão de 10 a 15 minutos, as crianças mostravam o quanto gostavam de cada alimento por meio de uma escala hedônica facial de cinco pontos. Ao ver as fotos dos alimentos em sua forma habitual de consumo, as crianças escolhiam uma entre cinco “carinhas”, que demonstravam: adoro, gosto, gosto pouco, não gosto e detesto.

Por último, Isa executou e analisou o cruzamento das preferências alimentares das crianças com seu estado nutricional. A conclusão atingida foi que, independentemente do estado nutricional ou do sexo, as crianças têm o mesmo gosto. Tanto o “gordinho” quanto o “magrinho” preferem alimentos com alta densidade energética, ricos em gorduras, açúcares ou sal e escassos em nutrientes e fibras, como batata frita, refrigerante, pizza e bolacha recheada. Segundo estudos internacionais, essa preferência pela junk food também é verificada em outros países, como Estados Unidos, Suécia, Inglaterra e Austrália. Entre os dez alimentos mais aceitos, apenas três são considerados saudáveis: frango, iogurte e melancia. Já os menos aceitos pertencem ao campo das hortaliças, como chuchu, legumes e purê de batatas.

Dessa forma, o excesso de peso não está relacionado aos gostos alimentares, mas ao estilo de vida da criança, às atividades físicas praticadas e à quantidade ingerida de cada tipo de alimento. De acordo com Isa, tal fato constitui-se como um alerta para toda a população brasileira. “Os riscos que essa junk food causa à saúde são muito grandes. É preciso que se cuide da alimentação das crianças para que elas não venham a ter problemas no futuro. Uma má alimentação na infância pode provocar o aumento da taxa de colesterol, excesso de sódio no organismo, dificuldades de metabolismo, doenças coronárias e até diabetes tipo 2 [por excesso de açúcar]”, explica ela. “Visto que tanto as crianças de peso normal quanto as com excesso de peso têm as mesmas preferências, é preciso que se controle a alimentação e que hábitos mais saudáveis sejam promovidos desde a infância”, completa.

O papel dos pais
Além da preferência alimentar das crianças, a pesquisa também avaliou como as práticas de alimentação e atitudes dos pais influenciam o estado nutricional dos filhos. Foram submetidos a um questionário 190 pais. A partir das respostas, foram estabelecidos três fatores relacionados às ações dos progenitores que podem provocar excesso de peso nas crianças.

Um dos aspectos identificados foi que apenas 20% dos pais percebem o excesso de peso dos filhos. Muitas vezes os adultos subestimam ou até não identificam quanto acima do peso estão as crianças. “Isso está relacionado a um fator cultural. Em inúmeros casos a criança ‘rechonchuda’ é vista pela família como saudável e bem cuidada”, afirma Isa. De acordo com a tese da nutricionista, este é o fator que mais influencia o excesso de peso das crianças. Sendo assim, os pais têm importância fundamental para controlar o estado nutricional dos filhos e ajudá-los a criar hábitos alimentares saudáveis.

Outro fator que influencia o peso das crianças é o estado nutricional dos pais. Dos adultos pesquisados, 43,2% apresentaram excesso de peso. Os filhos destes pais tinham o mesmo problemas. Neste sentido, pais acima do peso normalmente tendem a transmitir essa característica às crianças, devido à genética ou aos hábitos alimentares.

Por fim, o excesso de controle ou de permissividade sobre a alimentação das crianças também pode causar um excesso de peso nos filhos. Quando não há restrição nenhuma, as crianças ficam livres para comer o que mais gostam. Já quando o controle é muito severo, elas se sentem tentadas, nos momentos em que não são vigiadas, a comer mais desses alimentos não saudáveis. Isa defende que os pais, sendo elementos importantíssimos para a constituição do estado nutricional das crianças, precisam propor a elas uma alimentação moderada, que satisfaça seus gostos e ao mesmo tempo seja saudável.

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