ISSN 2359-5191

19/05/2011 - Ano: 44 - Edição Nº: 30 - Sociedade - Faculdade de Direito
Clínica de Direitos Humanos orienta população de rua do centro de São Paulo

São Paulo (AUN - USP) - A Clínica de Direitos Humanos Luiz Gama, gerida por alunos e ex-alunos da Faculdade de Direito da USP desde 2009, aposta em novos projetos para orientar e educar a população em situação de rua do centro de São Paulo. O aperfeiçoamento do trabalho da Ouvidoria Comunitária e a elaboração de uma cartilha explicativa sobre os direitos dos cidadãos estão entre as metas do grupo para os próximos meses.

Fundada com apoio do Centro Acadêmico XI de Agosto, do Departamento Jurídico XI de Agosto e do Núcleo de Estudos Internacionais do Largo São Francisco, a Clínica de Direitos Humanos é uma experiência inovadora no ensino jurídico da FD. O projeto é reconhecido como uma matéria de cultura e extensão, e procura unir tanto referências teóricas quanto atividades práticas na área de direitos humanos.

Raquel Lima, recém-formada pela FD e uma das coordenadoras da Clínica conta que esse modelo de ensino é comum nas universidades do exterior, principalmente nos Estados Unidos. As clínicas legais são uma forma de levar a experiência jurídica aos alunos de direito, oferecendo serviços gratuitos a clientes. Em várias instituições, são matérias obrigatórias e contam com professores com perfil diferente do tradicional academicismo, que predomina na São Francisco.

“Aqui na FD, nada prático é obrigatório”, contesta Raquel. Por isso, a iniciativa de criar a Clínica partiu dos alunos e hoje é completamente formada e coordenada por eles. No início, alguns professores apoiaram e acompanharam o projeto, mas se afastaram. “Acho que a crítica ao ensino jurídico tradicional incomoda um pouco os professores. A gente pretende eleger um docente para nos acompanhar, mas agora estamos em um período de transição”, afirma Luísa Luz, também coordenadora da Clínica.

Reflexões teóricas
A crítica ao sistema tradicional toma corpo na forma com que o grupo trabalha a matéria de direitos humanos. Segundo as coordenadoras, nas reuniões, os alunos discutem o método de ensino das clínicas legais e acompanham experiências nos Estados Unidos e na América Latina. “A maioria chega sem saber o que é e como funciona uma clínica”, afirma Raquel. Daí a importância dessas discussões “metalingüísticas”.

Raquel acredita que os alunos chegam muito despreparados quanto à teoria em direitos humanos. O grupo procura debater referências bibliográficas da área ao lado temas como antropologia, relações humanas, habilidades jurídicas, teoria da narrativa e sociologia da violência. Dessa forma, há uma aproximação com questões relativas à prática. “Não é uma proposta normativa”, explica Raquel, “temos que entender que essas reflexões teóricas ultrapassam e muito o campo dos direitos humanos”.

Mão na massa
O diferencial da Clínica está na possibilidade de aplicar o conteúdo das discussões teóricas na prática. Além dos limites da sala de aula, os alunos entram em contato com a experiência jurídica e com a população. “Na universidade, a gente lida com os direitos humanos de forma muito abstrata. A Clínica é uma maneira de concretizar isso”, comenta Brenda Rolemberg, estudante do terceiro ano que ingressou no projeto no início de 2011.

Nesse semestre e nos próximos meses, o desafio está em dois grandes trabalhos. O primeiro é adensar o diálogo da Ouvidoria Comunitária com os órgãos do poder público. A Ouvidoria foi lançada em novembro de 2010, em parceria com o Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe), com o Fórum Permanente de Acompanhamento das Políticas Públicas sobre a População em Situação de Rua e com o Movimento Nacional da População de Rua (MNPR).

O objetivo é fornecer um espaço seguro para os moradores de rua do centro de São Paulo relatarem as violações aos direitos humanos sofridas por eles. Segundo Raquel Lima, os assuntos tratados no atendimento são variados. “Tem gente que vem relatar situações de violação, tem gente que vem tirar dúvidas. Há muitos casos de agressão policial. E gente que só quer conversar mesmo”, conta.

Encaminhamento
Os alunos ouvidores não podem assumir o caso na Justiça. Depois de acolhidos os relatos, uma ação judicial é elaborada e a vítima é encaminhada para o atendimento geral da Defensoria Pública.

Luísa Luz ressalta que muitas pessoas não comparecem à Defensoria depois de encaminhadas. “O atendimento na Defensoria Pública é problemático. Muitos não têm condições de chegar até lá, ou são inibidos pela forma de se vestir, são até expulsos ou impedidos de entrar”.

Hoje, no centro de triagem da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, um único defensor atende cerca de 60 mil pessoas. A Ouvidoria Comunitária dá prioridade ao encaminhamento dos casos mais urgentes e mais comuns. “A gente procura uma perspectiva mais coletiva. Um mesmo problema que afeta várias pessoas. Por exemplo, há muitos problemas envolvendo assistência social”, explica Luísa.

Raquel aponta algumas situações mais delicadas. “Não é viável encaminhar casos de agressão policial ou questões trabalhistas para a Defensoria”, afirma. Nessas circunstâncias, as coordenadoras esperam colher relatos suficientes para questionar as autoridades sobre as medidas tomadas. Luísa esclarece que a Clínica precisa de “um tempo mínimo de Ouvidoria para apresentar as maiores demandas com legitimidade ao poder público”.

Educação Popular
A segunda grande proposta da Clínica junto à comunidade é um projeto de Educação Popular. A principal meta do EdPop é a elaboração de uma cartilha explicativa. O livrinho pretende trazer, de forma didática, esclarecimentos sobre o direito do cidadão e os direitos humanos.

Para a concretização do projeto, a Clínica conta com alguns parceiros entre pessoas e entidades que atuam junto à população de rua, como a Prefeitura de Guarulhos e o Fórum Permanente. A participação da comunidade no processo de produção da cartilha também é importante. “Queremos que [a elaboração] envolva momentos de integração com a população”, propõe Luísa.

Uma das principais preocupações é com a linguagem utilizada. Raquel ressalta que os alunos não pretendem usar trechos de lei ou de textos acadêmicos. O objetivo é esclarecer questões sobre os direitos humanos em uma linguagem simples e arte gráfica atraente.

Por meio de atuações como essas, o trabalho da Clínica de Direitos Humanos procura mediar a relação conflitante entre a população sem recursos e os órgãos públicos, que deveriam olhar pelos desvalidos. “O inconformismo com a realidade muitas vezes é ignorado por causa de quem diz”, conclui Luísa.

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