ISSN 2359-5191

19/05/2011 - Ano: 44 - Edição Nº: 30 - Sociedade - Instituto de Estudos Brasileiros
Professores de literatura falam sobre a obra de Fernando Pessoa
Em palestra realizada pelo IEB, Fernando Cabral Martins e Fernando Paixão discorreram sobre a multiplicidade da obra do poeta português

São Paulo (AUN - USP) - “A minha pátria é a língua portuguesa.” Talvez essa seja uma das frases mais célebres do poeta português Fernando Pessoa, que foi tema de uma palestra realizada pelo Instituto de Estudos Brasileiros (IEB), no dia 16 de maio. Nomeado de A atualidade de Fernando Pessoa, o evento contou com a presença de Fernando Paixão, poeta e professor de literatura do IEB, e de Fernando Cabral Martins que, além de também ser professor de literatura da Universidade Nova de Lisboa, é escritor, e participou da edição de alguns livros do poeta. Recentemente, ele organizou o Dicionário de Fernando Pessoa e do Modernismo Português.

A ideia central das discussões tinha como pano de fundo o seguinte questionamento: que papel tem a poesia de Fernando Pessoa em um contexto como o do século 21? No entanto, no decorrer da palestra, os temas se diversificaram e os professores versaram sobre muitos outros assuntos, como a importância das sensações em sua obra, seus heterônimos, suas obras e sua genialidade.

Pluralidade de leitores
Um dos grandes nomes do modernismo, não só português, como mundial, Fernando Pessoa foi um dos poetas que recebeu melhor aceitação durante a segunda metade do século passado. E também foi, de acordo com Paixão, “certamente foi uma das vozes mais importantes do seu tempo”.

As poesias de Pessoa são casos únicos dentro da literatura, pois, mesmo um século após seu aparecimento, continuam atraindo leitores de diferentes nichos. “Seus poemas têm essa capacidade de agradar um leque heterogêneo de gostos, de idades, de temperamentos, de classes sociais. Isso é realmente peculiar dentro da arte moderna”, explicou o palestrante.

Sensações e heterônimos
“Sentir tudo de todas as maneiras.” Os versos de Álvaro de Campos, um dos mais notáveis entre as dezenas de heterônimos do poeta lisboeta, reitera um dos focos de grande parte de sua obra, as sensações. Segundo Paixão, Fernando Pessoa criou uma poética em que o ato de pensar e de sentir caminham juntos. “A sensação é como se servisse de argila a ser moldada pelo pensamento poético”, ilustrou. Os heterônimos, como o próprio Álvaro de Campos, além de Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Bernardo Soares, poderiam ser entendidos, dessa forma, como máquinas distintas de processar sensações.

De acordo com a fala de Paixão, a presença dessas múltiplas personalidades gera cumplicidade nos leitores. “Curiosamente, o fato de se tratar de identidades criadas, não lhe subtrai o conteúdo dramático, pelo contrário, poesia é sensação sim, mas intelectualizada, tornada imagem que proporciona ao leitor um jogo de possibilidades.”

A existência dos vários heterônimos também serviria com uma hipótese para explicar porque até hoje a obra de Pessoa é tão difundida, uma vez que a heteronímia propicia um traço de alteridade intensa. Dessa forma, há a possibilidade de despersonalização do leitor, que passa a vivenciar sensações e pensamentos alheios.

Obras, fragmentos e genialidade
Em vida, Fernando Pessoa deixou apenas um livro publicado, trata-se da obra Mensagens, lançada em 1º de dezembro de 1934, dia da celebração da restauração Independência de Portugal da dominação espanhola, que ocorreu em 1640. Segundo Martins, isso reforça o fato de que a publicação de Mensagens teve uma perspectiva mais política do que poética. O professor português ainda aproveitou-se disso para se referir a Pessoa como alguém que “queria intervir no universo político e no universo mental dos homens de seu tempo”.

Já as demais obras do poeta foram deixadas em uma arca, em envelopes com conjuntos de fragmentos dispostos pelo próprio Pessoa, e foram apenas publicadas após a sua morte, no ano de 1935. A publicação desses volumes, na década de 40, criaria uma atualidade nova, que seria decisiva para toda a literatura portuguesa.

Muitos dos fragmentos deixados pelo modernista nos dão a impressão de estarem inicialmente inacabados, nos dão a sensação de terem sido escritos a esmo. Alguns não possuem, por exemplo, título. Para Martins o que os diferencia de simples rascunhos é a genialidade do lisboeta. “Pessoa é hoje um dos mais importantes nomes da cultura portuguesa, talvez isso só seja possível porque esse gênio se manifesta nessas aparições às vezes de pequenas frases. Porque se não, aquilo que ele nos teria deixado seria apenas um conjunto uniforme de rascunhos.”

Um dos grandes sucessos de Pessoa, O Livro do Desassossego, escrito sobre o heterônimo de Bernardo de Soares, lançado em 1982, período em que a literatura portuguesa passava por um boom da ficção e nomes como Saramago publicavam suas grandes obras. A obra é uma compilação de fragmentos fantásticos da prosa de Pessoa. De acordo com Martins, o livro difere tanto de tudo que o modernista fez anteriormente, que Pessoa parece “se desdobrar em outro, ainda melhor. Meio século depois de sua morte, ele renasceu e criou uma nova atualidade”.

Pessoa digital
Através dos meios digitais e da internet, muito da obra de pessoa foi disponibilizado e hoje se encontra ao alcance de um clique. Segundo Martins, essas novas comodidades têm permitido, nos últimos dois ou três anos, um grande entusiasmo na área editorial, endossando a publicação de novos livros e críticas direcionadas ao poeta. No entanto, o palestrante vê todo esse entusiasmo com certa atenção. “É preciso que o leitor tenha cautela, pois o modo de edição de cada obra passa a ser determinante para a própria aproximação do texto.”

O poeta é realmente fingidor?
“O poeta é um fingidor. Finge tão completamente. Que chega a fingir que é dor. A dor que deveras sente.” Os versos de Pessoa geram, equivocadamente, por muitos, acusações de pouca sinceridade por parte do lisboeta. Porém, tais afirmações são rechaçadas por Martins. De acordo com ele, a sinceridade é o critério essencial do poeta. “É preciso ter tem conta que o fingimento em Pessoa não é uma simulação. Ele não é um simulador justamente porque diz isso.” Dessa forma, ao dizer que o poema é um fingimento, ele está a revelá-lo na sua verdadeira natureza.

Para saber mais sobre Fernando Pessoa e ter acesso a fac-símiles de manuscritos do autor: http://casafernandopessoa.cm-lisboa.pt/bdigital/index/index.htm e http://www.bnportugal.pt/

Leia também...
Nesta Edição
Destaques

Educação básica é alvo de livros organizados por pesquisadores uspianos

Pesquisa testa software que melhora habilidades fundamentais para o bom desempenho escolar

Pesquisa avalia influência de supermercados na compra de alimentos ultraprocessados

Edições Anteriores
Agência Universitária de Notícias

ISSN 2359-5191

Universidade de São Paulo
Vice-Reitor: Vahan Agopyan
Escola de Comunicações e Artes
Departamento de Jornalismo e Editoração
Chefe Suplente: Ciro Marcondes Filho
Professores Responsáveis
Repórteres
Alunos do curso de Jornalismo da ECA/USP
Editora de Conteúdo
Web Designer
Contato: aun@usp.br