São Paulo (AUN - USP) - No ano 2000, uma equipe de pesquisadores brasileiros organizada pela Fapesp concluiu o sequenciamento genético da Xylella fastidiosa, bactéria causadora da clorose variegada dos citros (CVC), a doença do amarelinho, que afeta grande parte dos pomares de laranja que causa perdas anuais da ordem de US$ 100 milhões à citricultura brasileira. O feito gerou grande alvoroço no meio científico e, por ser o primeiro sequenciamento do genoma de uma bactéria fitopatogênica, foi capa da Nature, uma das mais conceituadas revistas científicas da atualidade.
Por já trabalhar em uma linha de pesquisa relacionada a antioxidantes, o pesquisador do Instituto de Biociências (IB), Luis Eduardo Soares Netto, começou a estudar a sequência de bases do DNA da bactéria Xylella fastidiosa em busca de genes que codificam proteínas com essas propriedades. As plantas, assim como animais, liberam radicais livres e outros oxidantes contra agentes patogênicos. Dessa forma, proteínas antioxidantes são importantes devido a sua capacidade de proteger as células contra a ação de radicais livres, tornando as bactérias mais resistentes à ação dos oxidantes liberados pela planta. Em princípio, portanto, se os níveis de antioxidantes dos patógenos forem diminuídos, a infecção da planta deve ser dificultada.
Entre as proteínas antioxidantes codificadas no genoma da Xylella fastidiosa, um grupo específico chamou a atenção do pesquisador. Trata-se da classe denominada Ohr (Organic Hydroperoxide Resistance proteins).
Ohr
Um dos fatores que diferencia esse grupo de proteínas das demais proteínas antioxidantes é o fato de que a sequencia de aminoácidos (constituintes das proteínas) delas não apresenta homologia com proteínas de eucariotos (grupo que inclui todos os seres vivos com células eucarióticas, ou seja, aquelas que possuem núcleo celular delimitado por membrana). “Não existe nenhuma proteína parecida a Ohr em plantas ou mamíferos”, esclarece Netto. Tal característica facilitaria uma das metas a longo prazo da pesquisa, que é encontrar uma molécula capaz de inibir especificamente as proteínas do agente patogênico (Xylella fastidiosa). “Se acharmos um inibidor, uma molécula que se ligue a essa proteína, existe uma chance que ela só iniba essa proteína e não iniba a proteína do hospedeiro”, explica.
Para conseguir descobrir mais sobre essa proteína e tentar chegar ao inibidor, o pesquisador inseriu, através de técnicas de biologia molecular, o gene que a codifica em outra bactéria, a Escherichia coli, induzindo uma maior produção da proteína Ohr, propiciando, assim, seu estudo em laboratório. “A partir disso conseguimos determinar algumas coisas importantes, como a estrutura dessa proteína e sua atividade biológica. Agora estamos tentando estudá-la como alvo para drogas. O próximo passo é encontrar um inibidor”, conta Netto.
O pesquisador conta que já conseguiu alcançar alguns avanços nesse sentido, como, por exemplo, medir e caracterizar em detalhes a atividade enzimática da Ohr. “Queremos buscar alguma molécula que consiga inibir essa atividade enzimática. Inclusive, já encontramos uma molécula que conseguiu realizar esse feito”, conta Netto. No entanto, segundo o pesquisador, ela ainda o faz em potência muito baixa e a intenção é encontrar outras moléculas que trabalhem em uma potência maior nessa direção.
Cristal da Proteína
Um dos maiores progressos da pesquisa foi quanto à definição da estrutura da proteína. Usando uma técnica chamada cristalografia de raios X, em parceria com pesquisadores do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), localizado em Campinas, no interior do estado de São Paulo, os pesquisadores conseguiram definir em detalhes o formato tridimensional da Ohr. Ela é composta de duas partes iguais que se unem firmemente e originam uma molécula similar ao formato de uma bola de futebol americano. Essa foi a primeira estrutura delimitada de uma proteína da bactéria Xylella fastidiosa e está depositada no Protein Data Bank, uma base de dados mundial que armazena informações sobre a forma de cerca de 40 mil proteínas. Como no caso da sequencia de amino ácidos, a estrutura de Ohr é exclusiva de bactérias, não existindo proteínas de eucariotos com forma semelhante.
De acordo com Netto, elucidar a estrutura da Ohr é importante porque o formato das proteínas está fortemente ligado a sua função. O formato globular da hemoglobina, por exemplo, é relacionado à função de carregar gás oxigênio através da corrente sanguínea. “A Ohr tem uma estrutura que faz com que ela elimine, de uma forma bastante eficiente, oxidantes (hidroperóxidos orgânicos), moléculas que podem produzir um dano à bactéria.”