São Paulo (AUN - USP) - Em palestra sobre Resíduos Sólidos Urbanos: aspectos legais, processos e espacialização, as professoras Maria Cecilia Loschiavo dos Santos, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP (FAU) e Sylmara Gonçalves-Dias, do curso de Administração da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), apresentaram um amplo panorama da situação do lixo no Brasil e no mundo, de projetos e do papel dos catadores.
O cenário atual
Nos EUA, cada habitante produz 800 kg de lixo por ano, o quádruplo de um brasileiro – seguindo a teoria de que quanto maior o poder de consumo de um país, maior sua produção de resíduos. Apesar disso, os números de São Paulo são equivalentes às de países desenvolvidos, com 2,5 kg de lixo per capita diário. Em relação ao lixo doméstico, o Brasil teve um aumento de 6,8% entre 2009 e 2010, com 60,8 milhões de toneladas ao ano. Disso, dois terços são embalagens, mas apenas 1% vai para coleta seletiva.
Além dos problemas óbvios gerados pelo crescimento populacional e industrialização, foi destacada a dificuldade quanto ao inventário do lixo. É um desafio da política nacional e de grandes construtoras quantificar os resíduos gerados – por exemplo, não existe dimensão de resíduos eletrônicos e de construção apenas estimativas das estimativas. Na realidade, desde o governo pós-Marta Suplicy os dados existentes não estão tão aparentes, com um difícil acesso, prova de como o tema assumiu maior relevância nos últimos anos.
Outro problema é a disposição final dos resíduos: 61,4% do lixo domiciliar brasileiro tem um destino inadequado (chegando a 75% no Nordeste e ainda mais no Norte). Quase dois terços vai para aterros sanitários (em São Paulo todos saturados e alguns transbordando), um quinto para lixões, 3% para compostagem, 1% para reciclagem e o resto para outros.
Projetos
A professora Maria Cecília tem contatos com um grupo do Massachusetts Institute of Technology (MIT) que possui um projeto de seguir a mancha de lixo descartado pelos EUA no Oceano Pacífico. Outro projeto, em Los Angeles, consiste em transformar material têxtil hospitalar em pano de chão.
Aliás, os Estados Unidos, além de maior produtor mundial de lixo, também mostra outras pérolas, como a “doação” de lixo têxtil para países da África e o envio de 80% de todo seu lixo eletrônico para o continente. Isso, inclusive, deixa margem para uma maior preocupação internacional quanto à regulação de tratados sobre disposição de resíduos.
O trabalho de resíduos têxteis está em estudo no Japão, onde uma escola de design aproveita industrialmente quimonos para a produção de tamancos. Faltaria incubar tais protótipos para empresários, como foi feito em outra pesquisa com caules de bananeira. No Brasil, um foco de estudo poderia ser o bairro Bom Retiro: “Por que não gerar valor com algo que seria jogado fora?”, como disse a professora. Um trabalho nessa direção foi apresentado na São Paulo Fashion Week de 2001/2002, em que o brasileiro Projeto Alya Eco usava garrafas PET em seus modelitos e outro com a Malha Eco, cuja propaganda dizia fazer uma roupa de cama com 80 dessas garrafas. A garrafa PET é ainda mais importante nesse cenário porque mais da metade é reciclada no país (índice abaixo apenas do Japão) e o material não pode voltar a embalar alimentos. Na USP, existem projetos e pesquisa frutíferas, como a USP Recicla para lixo eletrônico ou um envolvendo resíduo de demolição na Poli, mas ainda estão muito desconectados.
“O lixo de um é o capital de outro”
“Existe uma apologia de dizer que tal produto é reciclado, mas do que adianta se não é de fato reciclado?”, pergunta Maria Cecília. De fato, pouco seria da intensa propaganda nesse sentido não fosse o papel dos que reciclam cerca de 90% do lixo brasileiro hoje: os catadores.
Desde há poucas décadas se organizando, foi criada, em 2005, na cidade de Belo Horizonte, pelo Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis a primeira fábrica gerida apenas por catadores. Essa iniciativa segue a linha de agregar valor ao produto a ser reciclado com minicentros de triagem, mas encontra problemas com a capacitação das pessoas em gestão. Minas Gerais é o estado mais avançado na área, e tem realizado anualmente o Festival Estadual de Lixo e Cidadania.
No fim do ano passado, o Movimento conquistou uma importante vitória com a nova lei de Política Nacional de Resíduos Sólidos, onde possui assento garantido nas reuniões, baseada no tripé de responsabilidade conjunta, acordos setoriais e logística reversa. Foi aprovado em março deste ano a criação do Comitê Interministerial com grupos de trabalho que vão desde a exigência de planos para o município obter repasse de recursos federais na área, ao Sistema Nacional de Informação em Resíduos, que amenizaria o problema do inventário do lixo. Também foi criado o Comitê Orientador para Implementação da Logística Reversa, com grupo de trabalho em vários setores como eletroeletrônicos, embalagem, entre outros setores. Basicamente, logística reversa é retornar o produto descartável pós-consumo para o produtor, mas isso encontra obstáculos com as especificidades do processo de cada material e outro fatores da indústria.
Um dos objetos de estudo de Sylmara foi o caso da cidade de Borås, na Suécia. Uma parceria entre universidades, o poder público e instituições privadas possibilitou a redução a zero de aterros em 2008. Lá, onde 27% do lixo é reciclado, 30% tratado biologicamente e 43% incinerado, “os catadores estão dentro de casa”. O mais interessante, porém, é que tal modelo pôde ser adaptado e implantado na Indonésia – quem sabe oferecendo um novo horizonte para a situação brasileira.
Nova disciplina
No dia 27 de maio acontecerá o seminário sobre Reciclagem e Valorização dos Resíduos Sólidos na Politécnica da USP [/]. O evento é pago e prevê palestras de professores renomados, empresas, associações e pesquisadores com atividades desenvolvidas na área de reciclagem, biopolímeros e biodegradáveis.
E no semestre que vem será aberta a disciplina Resíduos Sólidos e Impacto Sócio-Ambiental para a pós-graduação, a ser ministrada pelas professoras palestrantes Maria Cecilia Loschiavo dos Santos e Sylmara Gonçalves-Dias.
Para quem se interessar no assunto, dois documentários foram recomendados: Lixo Extraordinário [http://www.youtube.com/watch?v=_pyR9qCd2F8], de Vik Muniz, candidato ao Oscar, e Estamira [http://www.youtube.com/watch?v=v9ik-M5k0K4], de Marcos Prado.
Para saber mais do Movimento de Catadores, visite http://mncr.org.br/. Sobre o Seminário Reciclagem e Valorização dos Resíduos Sólidos, entre em http://www.reciclagemevalorizacao.com.br.