São Paulo (AUN - USP) - Na última segunda-feira, 23, sob o tema O magnata de Valência: capitalistas, bicheiros e comerciantes do primeiro cinema no Brasil (1904-1921), ocorreu mais um seminário de História Econômica do grupo de pesquisa Hermes & Clio da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA-USP). Apresentado pelo doutorando em História Econômica da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH-USP) Júlio Lucchesi Moraes, a palestra versou sobre a vida e o legado de Francisco Serrador, empresário espanhol que, segundo a literatura da área, "criou a Cinelândia".
Nascido em Valência em 1872, o empreendedor Francisco Serrador chegou ao Brasil pelo Porto de Santos, em 1887, e nele trabalhou como funcionário portuário por algum tempo. Entretanto, a narrativa de sua vida tem um problema de ordem historiográfica: pouco se sabe sobre sua origem e como conseguiu seu capital – especula-se que, assim como outros empresários que também investiam no setor de exibição para cinema e teatro na época, ele tenha se feito a partir de dinheiro do jogo do bicho. Segundo Moraes, a maioria dos textos que versa sobre o espanhol não dá destaque a essa primeira etapa, colocando a apenas como mera predecessora do momento da Cinelândia.
Serrador dedicou-se especialmente às áreas de exibição e distribuição durante o início do século 20: na década de 1910, ele criou a Companhia Cinematográfica Brasileira em São Paulo, que futuramente viria a dominar o ramo da exibição no país. Isso se deve, muito em parte, a uma aliança comercial feita com a Marc Ferréz & Filhos, empresa do Rio de Janeiro que tinha a representação da Pathé no Brasil. A Pathé, até o começo dos anos 20, era uma firma francesa – país cuja indústria cinematográfica controlava cerca de 60% do mercado da área na época, tendo como principais produtos filmes curtos, sejam eles séries de ficção ou cinejornais. Posteriormente, Serrador romperia com os Ferréz, mas preservaria as relações comerciais, e ampliaria seus contatos por meio de contratos de exclusividade com as nascentes companhias norte-americanas Universal e Fox Film.
Moraes ressaltou ainda uma diferença entre as políticas públicas a respeito da área hoje e outrora. Ao contrário de atualmente, época na qual é possível ver incentivos diretos à produção e exibição cinematográfica por parte do governo, – como as Leis Rouanet e do Audiovisual – nos tempos de Serrador, como comentou Moraes a partir dos textos do professor José Inácio de Melo Souza, “a Prefeitura era responsável pela liberação de licenças, alvarás etc., além, é claro, da supervisão e cobrança de impostos da atividade”.
Por fim, o doutorando expôs aos presentes ideias sobre o legado de Serrador, que morreu em 1941, e cuja empresa, que durou até os anos 70, foi a responsável, por exemplo, pela criação do recentemente fechado Cine Belas Artes. “A bibliografia pode ter exagerado os méritos de Serrador, mas eles existem: é possível perceber em seus empreendimentos, especialmente na arquitetura das salas de cinema, todo um discurso de modernidade, procurando trazer ao Brasil a elegância da época, sem falar no espírito empreendedor. É como o pesquisador Inimá Simões afirma: ‘Serrador se estabelece no Rio porque ali existem mais condições para a implementação de uma moderna estrutura no ramo das diversões, onde o cinema desponta soberano. Ele tem plena consciência de que em torno do cinema outros negócios rendosos surgirão’.”