São Paulo (AUN - USP) - Tese de doutorado defendida por Roberto Vicente, pesquisador do Centro de Rejeitos Radioativos do Ipen (Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares), em 2002 defende idéia que pode ser solução para um problema na gerência de rejeitos radioativos. O objetivo é a deposição final de materiais radioativos em poços profundos, o que aumentaria seu isolamento e diminuiria os riscos de que a fonte de radiação entrasse em contato com o ambiente.
A técnica tem como objetivo principal o isolamento por completo das chamadas fontes seladas, que são objetos de dimensões pequenas (do tamanho de moedas), mas com radioatividade bem concentrada. Elas são utilizadas principalmente em radioterapias ou em atividades industriais de controle de qualidade. “Nós trabalhamos no conceito de depósito final para essas fontes, um repositório que seja seguro e inacessível, que isole o material do meio ambiente até que ele perca sua radioatividade completamente”, afirma Roberto Vicente.
As fontes seladas chegam ao Ipen envoltas em blindagens grandes, que ocupam muito espaço. A idéia consiste em retirá-las das blindagens e colocá-las em embalagens menores de chumbo, que podem conter várias das fontes. Essas embalagens seriam depositadas em poços profundos chamados Borehole, “um poço tubular profundo, com várias centenas de metros de profundidade dentro de um maciço granítico. Ele seria encamisado com aço e utilizaria cimento para o preenchimento do espaço entre o aço e a rocha, o que evitaria a circulação de água e estabilizaria a estrutura”, segundo Vicente. As embalagens de chumbo contendo as fontes seladas seriam depositadas no poço até determinada profundidade e existiria um espaço de isolamento de 200 ou 300 metros entre a superfície e os rejeitos.
Outra preocupação da pesquisa é a durabilidade do repositório. Grande parte das fontes seladas existentes é de Rádio-226, muito utilizadas até meados do século 20. As fontes de Rádio-226 mais antigas possuem cerca de 100 anos, mas sua meia-vida (tempo que leva para a radioatividade de um material cair pela metade) é de 1.600 anos. “Para elas perderem completamente a periculosidade podem ser necessários até 10 mil anos”, alerta Vicente. O ideal é que o repositório seja funcional por todo o tempo em que o rejeito for perigoso. Para isso, estuda-se a durabilidade do cimento. “O cimento, como qualquer outro material, não é eterno. Lentamente ele vai sofrendo modificações. A radiação ionizante provoca quebra de ligações químicas e lentamente vai degradando os materiais. Existe também o problema da temperatura devido à profundidade e das águas agressivas ao cimento”, explica Vicente.
Cenário atual
Atualmente, no Brasil, todos os rejeitos radioativos são armazenados em repositórios temporários. Segundo Júlio Marumo, pesquisador do Centro de Rejeitos Radioativos do Ipen, há, para 2015, previsão de conclusão do Repositório Nacional, que receberia rejeitos radioativos de todo o país para armazenamento e isolamento.
Em outras partes do mundo a deposição final já foi feita, mas em repositórios de superfície, que, no futuro, podem ser achados por curiosos ou inadvertidos e causar problemas. “Na Rússia eles possuem poços de dois, três metros de profundidade. Hoje o local é de acesso muito restrito, mas quem sabe no futuro, se houver a perda da estabilidade estrutural da sociedade. Na própria Rússia, com o fim da União Soviética, muitas fontes seladas acabaram ficando órfãs, sem controle. Ocorreram acidentes, principalmente na República da Geórgia, onde houve mortes devido à radiação”, conta Roberto Vicente.
Além disso, a Agência Internacional de Energia Atômica (IAEA, em inglês), financia e desenvolve junto à Corporação Sul-Africana de Energia Nuclear (Necsa - South African Nuclear Energy Corporation) um projeto semelhante ao proposto por Vicente, chamado Boss (sigla em inglês para Depósito Borehole Fontes Seladas Radioativas). A principal diferença é que os poços sul-africanos teriam de 30 a 100 metros de profundidade, bem mais rasos que os brasileiros. Segundo Vicente, isso ocorre “porque eles se destinam basicamente aos países africanos, que têm mais dificuldade em fazer o controle adequado das fontes e possuem um inventário pequeno”. Informações do site da IAEA afirmam que a instalação de um poço Boss não deverá custar mais que US$ 1 milhão.
Outras questões
Vicente conta, ainda, que existem outras preocupações sobre a deposição final de rejeitos radioativos. Quando encerrada a fase da colocação dos rejeitos na estrutura, é preciso, da superfície até os rejeitos, selar o poço, geralmente com concreto. “Mas, nas últimas duas ou três dezenas de metros da superfície para baixo, a gente pretende que sejam eliminados quaisquer vestígios da instalação. Isso para que no futuro aquilo não atraia a atenção de ninguém”.
Além disso, há um problema sobre indicar ou não que em determinado lugar exista um depósito de fontes radioativas. A principal questão é em que língua sinalizar. “O consenso é de que não há língua certa para isso. Em 10 mil anos as línguas mudam tanto que não há a possibilidade de que alguém venha a entender o que foi deixado escrito”, afirma Vicente. Símbolos também seriam problemas pois, assim como a língua, não dá para garantir que sentido determinado desenho terá no futuro. “Não temos como deixar uma mensagem que com certeza será entendida”, conclui.