São Paulo (AUN - USP) - Nos últimos anos a creatina se tornou um dos principais suplementos alimentares utilizados por atletas e praticantes de atividade física no mundo inteiro. Ganhou espaço nas academias e centros de treinamento. Com a promessa da melhora no desempenho, exerce atração e fascínio nos esportistas. Apenas nos Estados Unidos a creatina movimenta uma quantia de US$ 400 milhões. No planeta, 70% dos atletas profissionais e 32% dos atletas universitários a utilizam. Contudo, muito se falou sobre os efeitos adversos da creatina. Entre eles, o mais citado por inúmeras publicações é o prejuízo à função renal. Com o intuito de verificar a veracidade desta constatação, o professor da Escola de Educação Física e Esporte da USP (EEFE), Bruno Gualano, realizou um estudo sobre a ação da creatina nos rins. Sua conclusão foi que os danos que a creatina causa ao funcionamento dos rins são mínimos ou inexistentes.
As controvérsias sobre o efeito da creatina são muitas. Diversas publicações jornalísticas e da literatura médica chegaram a alertar sobre a disfunção renal que, teoricamente, o suplemento provocaria e havia provocado em atletas que o utilizavam. Muitos jornais, como o L’Equipe, da França, deram manchetes sobre mortes de esportistas, alegando que a creatina era a causa, pois havia provocado a disfunção renal. Intrigado pelo assunto, Gualano compilou várias pesquisas, realizou estudos e executou alguns experimentos em relação à ação da creatina sobre os rins de quem a utilizava. Os resultados foram apresentados em uma palestra promovida pela Atlética XXXI de Agosto, da Nutrição da USP, realizada no dia 26 de maio na Faculdade de Saúde Pública da (FSP).
Por meio de uma reação simples e não-enzimática (o que facilita e acelera o processo) a creatina presente no corpo humano se transforma em creatinina, substância que deve ser excretada pelo rim. A suplementação com creatina, portanto, provoca um excesso de creatinina no organismo. Por muito tempo se acreditou que esse excesso prejudicava a filtração glomerular, principal ação exercida pelos rins, provocando, assim, problemas como a síndrome nefrótica e a nefritite (ambos relacionados a uma queda de eficiência dos rins). “‘Mas será que isso está mesmo correto? ’ Era isso que eu me perguntava. A partir daí tentei verificar se os atletas que se suplementavam com creatina tinham a atividade renal realmente prejudicada pela creatinina”, explica Gualano sobre o que motivou seu trabalho.
O pesquisador reuniu diversas pesquisas feitas sobre o tema e realizou experimentos, acompanhando alguns atletas que usavam a creatina como suplemento. Além de atletas saudáveis, ele também fez a análise da ação da substância em atletas com algum problema no rim (chamados de “população de risco”). Um deles, por exemplo, era um universitário que tinha apenas um rim. De 2006 a 2009, ele ingeriu 2,8 gramas de creatina por dia (quantidade de suplementação considerada normal), fazendo um treinamento de força. Durante esse período, Gualano fez um acompanhamento da atividade renal do atleta.
Após compilar e comparar suas pesquisas com as outras feitas no exterior, ele verificou que o uso da creatina não diminuiu ou diminuiu muito pouco o nível da filtração glomerular, tanto nos pacientes saudáveis quanto naqueles com algum problema na atividade renal, como idosos, indivíduos diabéticos ou pessoas com baixa filtragem. “A suplementação com creatina é muito segura, não prejudica a função renal. Salvo em algumas raras exceções ou quando a pessoa a ingere em quantidades gigantescas, ela pode ser utilizada com eficiência e segurança”, afirma Gualano.
A ação da creatina
A creatina é um composto nitrogenado derivado de aminoácidos, que pode ser obtida em carnes (5 gramas de creatina por quilograma) ou produzida dentro do organismo. Cerca de 95% da creatina no corpo humano se concentra nos músculos esqueléticos (responsáveis pelos movimentos), nos quais ela se encontra na forma de fosfocreatina.
Ela exerce sua principal função durante exercícios de curta duração e alta intensidade – o chamado sprint máximo, como a cortada do atacante de vôlei, o levantamento do supino do halterofilista e a explosão na largada do corredor de 100 metros rasos. Em movimentos como estes, 6% da energia vem do ATP (adenosina trifosfato, substância que fornece energia ao corpo, obtida por meio de respiração aeróbica), 44% vem da glicólise e 50% vem da fosfocreatina.
À medida que esses sprints vão sendo repetidos, de forma intervalada e com esforço máximo, a creatina ganha ainda mais importância. A partir da décima repetição, 80% da energia do movimento passa a ser provinda da fosfocreatina. Dessa forma, qualquer estratégia de suplementação da creatina que aumente a quantidade da substância nos músculos sem exagero torna-se importante. “O suplemento de creatina é eficiente no sentido de retardar a fadiga e melhorar o desempenho do atleta durante esses exercícios intensos”, explica Gualano.
Além disso, quando combinada com treinamento físico intenso e de qualidade, a creatina promove um aumento da força e da massa muscular do atleta que a ingere, maximizando seus resultados. Por esse motivo, a amplitude de esportes em que pode ser aproveitada é grande. No entanto, até agora, nada indica que a suplementação de creatina aumente a massa e a força de uma pessoa naturalmente, sem a realização de exercícios físicos.
Os outros 5% da creatina no corpo humano estão distribuídos pelo cérebro, pelas cartilagens e pelos ossos. Para o idoso, que tem defasagem óssea e muscular e dificuldades motoras, o uso da creatina seria extremamente benéfico. Sua ingestão, porém, é permitida por lei apenas para atletas. Gualano classifica isso como “um desserviço à saúde pública”.
Preocupações
Apesar dos benefícios que a creatina traz ao corpo humano, seu uso também pode trazer alguns riscos e efeitos adversos. O principal deles talvez seja o grande aumento da retenção hídrica, que pode causar a acumulação de resíduos tóxicos no corpo e fazer a pessoa ganhar massa magra muito rapidamente, aumentando sua massa corporal e podendo prejudicar seu resultado final no esporte que pratica.
Soma-se a isso o fato de que, quando já se tem muita creatina no corpo, o que é ingerido não é tão eficiente quanto se espera. A presença de cafeína na corrente sanguínea também diminui a efetividade da creatina.
Um problema mais grave está relacionado à existência de suplementos de creatina adulterados e “incrementados” com substâncias proibidas. Além das diversas complicações que podem causar ao corpo, essas misturas, ao conterem substâncias classificadas como doping, podem desestruturar toda a vida de um atleta, tanto em aspectos morais quanto financeiros.
Segundo Gualano, 25% dos suplementos estão adulterados em geral, ou por contaminação intencional ou por acidente de fabricação. Sendo assim, um controle mais rígido da pureza de suplementos nutricionais por parte das autoridades se faz necessário.