São Paulo (AUN - USP) - A selvageria e barbárie das torcidas de futebol tem se tornado uma constante no Brasil. Episódios marcados pela violência entre torcedores que, aparentemente, estavam indo a um estádio para se divertir com o jogo, chamam a atenção de toda sociedade e suscitam debates sobre o que deveria ser feito para alterar essa realidade.
Na tese de mestrado Torcida de futebol: adesão, alienação e violência, o pesquisador Roberto Romeiro Hryniewicz, do Instituto de Psicologia (IP) da Universidade de São Paulo (USP), procurou analisar que elementos levam um indivíduo a torcer por um time e, dentro dessa devoção, que fatores podem conduzi-lo a uma postura alienada e agressiva. Roberto também realizou um estudo de campo ao analisar 16 torcedores de times e escolaridade variados. Na observação dos resultados, chama a atenção o fato de que, apesar da fidelidade de todos à equipe, o grupo dos mais escolarizados tinha mais tendência ao preconceito e à barbárie.
A partir dos referenciais teóricos de Freud e da Escola de Frankfurt, Roberto explica que três são os fatores que levam a pessoa a se tornar um torcedor: a família, a partir da transmissão e influência diária de valores e gostos, a sociedade, já que a integração com os demais indivíduos fica mais fácil quando se torce para algum time e os meios de comunicação, que cada vez mais divulgam e enaltecem o ato de torcer.
A torcida literalmente vai à loucura
Nos textos Psicologia de Grupo e Análise do Ego, Freud explica que o indivíduo, quando em grupo, tem sua consciência de certa forma rebaixada, em certas passagens Freud chega a falar inclusive de uma total obliteração da consciência e do “senso de responsabilidade”. Entretanto, dentro das torcidas nos estádios de futebol, esse “rebaixamento” da consciência leva o indivíduo a atitudes agressivas pelo modo como a equipe é tratada por ele. “O time é visto como a extensão desses torcedores, que encaram o time, de forma inconsciente, não apenas como um ideal, mas também como parte deles – se o time perde, eles que perderam, se o time é ofendido, eles se sentem ofendidos e a violência vem dessa frustração”, explica o psicólogo.
Nesse sentido, Roberto identifica uma coexistência de sentimentos na figura do torcedor, a qual é inclusive reforçada pela indústria cultural: “O interesse da indústria da cultura com o futebol é financeiro e a ela importa ter novos adeptos. Por isso, ela fabrica torcedores e há, nessa “fabricação”, uma ambivalência de sentimentos: a pessoa torce e ama o time, mas não sabe dizer por que acredita que ele faz parte de sua natureza. Essa ambivalência faz com que ele se torne muitas vezes violento.”
A influência da escolaridade
A partir de entrevistas com torcedores em diferentes estágios de escolarização, o pesquisador dividiu-os em dois grupos: um com pessoas que tinham até o ensino fundamental completo e outro, até o ensino médio. Os resultados demonstraram certa devoção ao time nos dois grupos, bem como alienação e tendência ao preconceito. Porém, isso ficou mais evidente no grupo dos mais escolarizados, indicando que a educação de hoje pode favorecer esse tipo de atitude.
“O resultado nos leva a pensar sobre a qualidade da nossa educação que, do meu ponto de vista, leva o sujeito à heteronomia, ou seja, a uma forma de pensar e de julgar valores completamente conduzida pela figura do outro”. Roberto desenvolve essa conclusão, explicando que essa figura do heterônomo busca justificativa para sua atitude violenta nos outros, sem qualquer tipo de reflexão anterior. Ou seja, a educação, de um modo geral, não estaria promovendo uma maior autonomia nos estudantes, tornando-os capazes de pensar de maneira mais independente, julgando o certo e o errado por si só. “Se a educação não buscar que o indivíduo reflita, ela não forma, mas deforma. A diferença entre os dois grupos foi pequena, mas já nos faz pensar que a educação nas escolas não está a contento, pois não está impedindo a barbárie.”