São Paulo (AUN - USP) - Desejo profundo. Obsessão. Muitas vezes é assim que se caracteriza a busca das pessoas pelo “corpo perfeito”. Emagrecer, ganhar massa muscular, definir a musculatura: são estes os objetivos de milhões de pessoas ao redor do mundo, que querem se enquadrar aos padrões de beleza convencionados na sociedade ou até mesmo melhorar seu desempenho em modalidades esportivas. No entanto, em muitos casos, o intenso exercício físico e a alimentação adequada parecem que não são suficientes. Inúmeros atletas ou praticantes de atividade física encontram nos suplementos nutricionais um meio de tentar aumentar e melhorar ainda mais seus resultados e sua produção e oferta de energia. Cada vez mais o uso de suplementos é disseminado e popularizado entre as pessoas e nas academias. No ano de 2009, esse mercado movimentou cerca de US$ 100 bilhões. Mas aí é que estão as questões: existe real necessidade de tomar suplementos? Eles realmente funcionam? E qual seria a hora certa para isso?
Com o objetivo de responder a esses questionamentos e aprofundar o assunto, a Atlética XXXI de Agosto, do curso de Nutrição da USP, promoveu um evento no dia 26 de maio, na Faculdade de Saúde Pública da USP (FSP). “Na Nutrição vemos defasagem na área esportiva, e temos pensado sobre o assunto há bastante tempo. Queríamos agregar conhecimentos e dar uma melhor formação, quanto à suplementação esportiva, para estudantes de nutrição e saúde, esportistas e profissionais da área”, explica Mayara Leopoldina, presidente da Atlética.
A palestra foi ministrada pela nutricionista esportiva Desire Coelho, que discutiu a suplementação, deu explicações sobre como ela age no corpo humano e instigou um debate entre muitos alunos. Segundo ela, suplementação caracteriza-se como a ingestão de quantidades a mais de componentes isolados de determinadas substâncias presentes nos alimentos ou no nosso organismo. O grande objetivo dos atletas ou praticantes de atividade física que utilizam essa tática é obter desses excessos um efeito ergogênico, uma melhora no desempenho e no resultado final do trabalho físico e atlético – uma melhora associada ao efeito do “espinafre do Popeye”.
Na verdade, os suplementos agem sobre diversos setores do organismo. No sistema nervoso central, eles melhoram os reflexos. Nos músculos, eles proporcionam melhores construções e recuperação do tecido muscular e maior eficiência na produção energética. No sangue, alguns aumentam a afinidade dos glóbulos vermelhos com o oxigênio. Outros agem nos tecidos adiposos queimando gordura.
Entretanto, muitos suplementos podem trazer riscos ao funcionamento do corpo e acarretar em problemas sérios, como disfunções cardíacas, mau funcionamento do fígado e dos rins, alterações hormonais, ginecomastia e prejuízo a algumas reações metabólicas. Desire ainda alerta para os perigos dos suplementos que podem trazer “surpresas”. Em estudo recente, o Comitê Olímpico Internacional (COI) avaliou 694 fórmulas de suplementos. Em 94 delas identificou substâncias não informadas nos rótulos, prejudiciais à saúde e consideradas doping, como esteróides, sais de testosterona e anfetamina.
Historicamente, o conceito de suplementação tem princípio no mito do lutador grego Milo, de Crótona. Segundo o que se conta, ele se exercitava com sobrecarga, aumentando a intensidade de seus exercícios. Seu físico crescia no mesmo ritmo do cordeiro que ele carregava pelos morros. Conforme o animal aumentava de peso, Milo ficava mais forte. O mito também diz que ele comia 9 quilogramas de carne e 4,5 quilogramas de pão e tomava 5 litros de vinho por dia.
Já nos tempos atuais, a suplementação é muito mais fácil: basta ingerir substâncias como a creatina, a cafeína e o HMBeta (proteína) e compostos de fibras, hipercalóricos ou metabolizadores de gordura. Bebidas esportivas isotônicas, inclusive, comuns ao cotidiano, também são classificadas como suplemento.
Desire identifica um padrão de justificativas entre as pessoas que tomam suplementos: compensar a dieta inadequada, suprir altas demandas energéticas, melhorar a performance, acelerar os resultados, recomendações de terceiros, a praticidade, e o clichê de que “todo mundo está usando”.
“Muitas vezes as pessoas querem treinar um pouco, tomar suplementos, manter uma alimentação inadequada e obter efeitos instantâneos e milagrosos. Não funciona desse jeito”, afirma Desire. A partir disso, a nutricionista questiona: “O exercício terá melhor resultado com o suplemento? Todos realmente precisam? A reação destes compostos prejudica o metabolismo? Eles serão absorvidos de forma adequada ou serão concentrados em áreas críticas do corpo”. Além disso, ao ponderar sobre a necessidade da suplementação, ela diz que é necessário levar em conta a diferença entre os atletas de alta performance e os praticantes de atividade física. Nesse sentido, um dado chama atenção: 95% das pessoas que tomam suplementos não são atletas profissionais.
A discussão sobre a necessidade e a eficácia da suplementação esportiva também envolve atletas e profissionais de educação física. Para a jogadora de rúgbi, Luciane Kuzmickas, 23 anos, os suplementos são indispensáveis. “Uso creatina e percebo que ela melhora minha explosão e tempo de recuperação e me deixa mais disposta. Os exercícios ficam mais fáceis. Quando não tomo, me sinto quase indisposta, sem energia. Até tenho um pouco de receio sobre os possíveis efeitos prejudiciais, mas nunca senti nada que me incomodou”, diz. Já Victor Araujo, 18 anos, lutador de Krav Maga (defesa pessoal israelense), pensa que “os resultados com ou sem suplementação são os mesmos, a diferença é o tempo em que eles serão alcançados. Para mim, o Krav Maga não exige muito fisicamente, e apenas meus exercícios na academia e minha alimentação me preparam bem para lutar”.
O personal trainer Osvaldo Marcatto, que trabalha em academias e dá aulas particulares, valoriza a alimentação e a moderação. “Acredito no poder da alimentação bem feita, que pode ser complementada pelos suplementos. Tem que haver equilíbrio. Muitas pessoas tomam suplementos de forma desnecessária e errada, e viciam o corpo a se exercitar somente com a ajuda de determinada substância”, afirma. Ele ainda completa: “Não gosto de indicar um produto, porque não tenho credencial para prescrever. Se meu aluno quer tomar suplementos, envio-o para um médico ou nutricionista, para que ele possa combinar a suplementação com uma alimentação adequada. Sem alimentação saudável e bem trabalhada, os suplementos não fazem efeito”.
A especialista Desire diz que a suplementação é algo muito sutil e cheio de detalhes, que precisa de moderação e trabalho com profissionais da saúde. “Caso seja usada de forma incorreta, a suplementação pode ser extremamente prejudicial ao organismo”, afirma.
De acordo com ela, 60 % do gasto energético total do corpo humano é provindo dos carboidratos. A recomendação dos nutricionistas é que sejam ingeridos diariamente de 6 a 10 gramas da substância por quilograma do peso corporal, quantidade muitas vezes não atingida pela dieta do brasileiro. Dessa forma, Desire acredita que os suplementos de carboidratos (como o gel de carboidratos), que ajudam a suprir a demanda diária somada à dos exercícios, podem ser extremamente úteis para todo tipo de praticantes de exercício físico, independente da necessidade e gasto energético.
Já em relação ao uso de proteínas, ela acredita que pode ter um efeito potencializador e aumentar a massa muscular, mas apenas para atletas de alta performance. Para a população em geral, o benefício máximo diário que se obtém das proteínas é de 2,4 gramas por quilograma de peso, sendo que a média da dieta do brasileiro contém 2,5 gramas por quilograma de peso diariamente. Sendo assim, o suplemento protéico não se faz necessário para a grande maioria dos praticantes de exercício físico e, caso provoque excesso de proteína no organismo, pode até reduzir a capacidade de síntese protéica do corpo.
Durante a palestra, Desire também mostrou uma pesquisa sobre a duração da “janela de melhora dos resultados” após a realização da atividade física. A crença popular e até de alguns médicos é que, para que o exercício produza um efeito extremamente benéfico, algum tipo de alimento ou até suplemento deve ser ingerido nos primeiros 40 minutos após o término do exercício. Em contraposição a isso, a pesquisa mostrada por Desire aponta que essa janela metabólica pode durar até 14 horas e que, para a população em geral, apenas um leite com achocolatado seria suficiente para a obtenção de um efeito ergogênico, tanto em termos de nutrientes quanto de demanda energética.
De acordo com a palestrante, poucos suplementos, como bicarbonato e creatina, podem ajudar a melhorar o desempenho de um atleta. Mas também há dificuldades “O preço ainda é muito alto, e os resultados não são tão melhores. Vale mais a pena aumentar a intensidade e a duração do treino e melhorar a qualidade da alimentação”, ressalta Desire.
Ela conclui dizendo que “suplementos podem ser extremamente importantes para algumas pessoas, como esportistas que vivem de sua atividade e precisam atingir o limite, mas muitas vezes são completamente desnecessários”.
Qual é a hora certa de utilizar suplementação nutricional? Quando ela se faz realmente necessária? Ainda não há resposta definida para isso. Tudo depende muito da intensidade do exercício, do tipo de modalidade, da demanda energética e do perfil metabólico da pessoa.