ISSN 2359-5191

08/06/2011 - Ano: 44 - Edição Nº: 43 - Sociedade - Instituto de Relações Internacionais
Evento discute a arte política e social da atualidade

São Paulo (AUN - USP) - Alunos do Centro Acadêmico Guimarães Rosa (Guima) do Instituto de Relações Internacionais da USP (IRI) trouxeram convidados para discutir a “Arte Engajada na América Latina”. O encontro faz parte do evento Maio Cultural, que promoveu exibições, oficinas, debates e até um sarau no mês de maio.

A mesa reuniu o professor e pesquisador de arte política e mídia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC- SP), Miguel Chaia, um dos fundadores do coletivo Dolores Boca Aberta, Danilo Monteiro e o organizador do Sarau Vila Fundão, Fernando Ferrari.

Arte e política na teoria
O professor Miguel Chaia questiona o que é a dita “arte engajada”. “Tal definição é bem difícil, uma vez que a própria palavra ‘arte’ é polissêmica nos dias atuais”.

Desde a Grécia Antiga, na época das grandes tragédias e comédias gregas, existe essa arte que afeta, impacta e ajuda a viver em sociedade. “Os autores gregos faziam um trabalho que tinha a ver com a sociabilidade”, diz o professor.

A importância social e política da arte só foram entendidas, no entanto, com os movimentos totalitários do século 20. Walter Benjamin, em A obra de arte na época da sua reprodutibilidade técnica, afirma que o nazismo estetizou a política. “A palavra estetizar é muito importante e quer dizer que a política se torna estética. Hoje também vivemos uma estetização só que econômica, o consumo é uma estética”, diz Chaia.

O professor explica que o nazismo e o comunismo ensinaram que a arte é transformadora. Resgata-se a ideia de que a arte serve para derrubar uma ordem burguesa e criar uma nova sociedade, disso nasce o movimento estético do realismo socialista, por exemplo.

“Getúlio Vargas aprende muito com isso”. No Brasil, o Estado Novo lida muito com a cultura, com a identidade e com os símbolos nacionais através do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), da Hora do Brasil, de documentários e de peças de teatro.

Nos anos 60, o movimento situacionista apreende o poder e a potencialidade da arte em prol da esquerda e dos movimentos de contestação. Guy Debord, em A Sociedade do Espetáculo, cria a ideia de que a imagem é o capital sintetizado e a partir disso, se propõe a anti-arte, que vai contra a arte, a política e a economia da burguesia. “Há uma transformação radical para o surgimento de uma nova arte, que nasça de experiências na cidade”, diz Chaia.

Então, os movimentos sociais passam a se estetizar, como o movimento pelos Direitos Humanos ou o movimento contra a Guerra do Vietnã. “Nasce uma reação à sociedade burguesa pela arte. A arte conceitual foi uma forma encontrada para abolir a arte como produto, como mercadoria”, diz Chaia.

Para definir arte engajada, o professor relembra a teoria de Jacques Ranciere sobre política. “Uma nova política só pode ser feita pela troca de sensibilidades. Para a inovação surgir é necessária a partilha do sensível, ou seja, as relações entre as pessoas devem ganhar um sentido estético”.

Sendo assim, os movimentos coletivos culturais e a militância, ao criarem espaços de sociabilização e de troca, aproximam a arte e a política porque querem criar uma nova sociedade que surja de baixo para cima. “A relação entre arte e política vai se densificando até que há uma união. A arte engajada é a arte como instrumento para invadir e alterar a sociedade”, diz Chaia.

Arte e política na periferia
Danilo Monteiro, morador da Cidade Patriarca, é um dos fundadores de um grupo que, como expõe Chaia, pensa e politiza a arte de baixo para cima. O Dolores Boca Aberta é um coletivo de teatro que nasceu há mais de dez anos com a ideia de fazer e apresentar peças de teatro na periferia da Zona Leste de São Paulo.

“Foi lá que começamos a desenvolver os nossos espetáculos, mas também começamos uma relação com a comunidade no sentido artístico e político”, explica Monteiro.

Desde o início, mesmo sem consciência do que estava fazendo, o grupo já começou a entrar em um campo no qual não dava para diferenciar o que era arte, educação e política. “Depois é que paramos para pensar que desse mato saía coelho”, diz Monteiro.

Então, o grupo passou a investir nas ações político-culturais, pois fazer uma arte que dialoga muito com a sociedade, mas que fica no âmbito do fazer artístico, não é suficiente. “Para a comunidade entender o que tínhamos a propor, não podíamos ficar meramente no artístico, até porque a questão artística não era evidente, já que grande parte da comunidade nunca havia ido ao teatro”.

A chegada de pessoas participantes de diversos movimentos sociais fez o grupo perceber que seu interlocutor, a comunidade, “não era só no sentido geográfico, mas no sentido de interesses, ou seja, estávamos falando da constituição de uma arte da classe trabalhadora”, explica Monteiro. Assim, o grupo problematiza divisões estanques que só interessam aos estabelecidos, como a ideia de que só pode fazer teatro, o artista e só pode fazer política, o político.

Fernando Ferrari também cria espaços de sociabilidade na periferia. Morador do Capão Redondo, ele organiza saraus na comunidade da Vila Fundão.

“O sarau na comunidade é um espaço ótimo de integração e de sociabilização mais informal da arte, no qual se perde aquela imagem do ‘artista’ como superior, até porque quem está se apresentando no sarau é, muitas vezes, seu próprio vizinho”, diz Monteiro.

Ferrari também é responsável pela articulação de eventos que reúnem vários saraus de diversas comunidades. O Mutirão Cultural nas Quebradas, por exemplo, acontece há 4 anos em Osasco. “A ideia é fazer o Capão dialogar com Itaquera, Pirituba, Heliópolis, Paraisópolis... Ao mesmo tempo em que alguém escreve uma poesia de contestação, esse alguém também tem que tentar praticar aquilo que ele está escrevendo. A prática de todos os cidadãos é algo muito importante”, diz Ferrari. Nesse sentido, o objetivo dos saraus é tentar uma forma de arte politizada para modificar a realidade ao redor. “Não é só a arte pela arte”.

“O nosso trabalho é ocupar bairros e atuar neles. A luta popular que acontece na zona Sul é a mesma da Zona Leste e é a mesma luta de todos os brasileiros. A ideia é espalhar os movimentos para outras comunidades”, diz Ferrari.

“A cultura causa estranhamento na periferia, as pessoas não estão acostumadas com essa arte que discute”, afirma Ferrari. Para tentar vencer essas barreiras, o movimento chega em outras comunidades de forma cultural, ou seja, o sarau é a primeira iniciativa. Posteriormente, passa-se também a discutir as questões que incomodam a comunidade. “No Jardim Irene, por exemplo, houve um amplo debate acerca da questão do despejo”.

Para o professor Chaia, os grupos de Monteiro e Ferrari são pequenas vanguardas da atualidade. “O que esses caras estão fazendo são pequenas revoluções que só são possíveis porque vivemos em um regime democrático”.

Marx diz que a sociedade capitalista nos tornam pessoas isoladas. A única forma da sociedade capitalista que dá uma ideia de relacionamento com outra pessoa passa pela arte. “A arte é uma linguagem que permite que a gente se identifique com o outro enquanto humanidade”, explica o professor.

Chaia destaca também o aumento do senso social e da sociabilidade que acontece dentro dos coletivos. “Quando se fala em arte engajada, se fala em instrumentalização da arte e entramos no campo social. Há ampliação dos movimentos e das lutas sociais. Não acontece só arte, acontecem também sociabilidades que tem a ver com críticas, elaboração de projetos, aprimoramento da vida na sociedade. A arte é social porque atende a comunidade”.

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