São Paulo (AUN - USP) - Segundo o quarto relatório do Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), divulgado no ano de 2007, até o fim deste século a temperatura da Terra pode subir entre 1,8 e 4 graus. Cientes de tais dados, os grupos de pesquisa Políticas Públicas, Territorialidades e Sociedade e Ciências Ambientais, do Instituto de Estudos Avançados da USP (IEA) organizaram o seminário Políticas Públicas, Mudanças Climáticas e Impactos sobre Áreas Frágeis.
O evento contou com a participação dos franceses Anne-Elisabeth Laques do Institut de Recherche pour le Développement e Vincent Dubreuil, professor da Université de Rennes, além dos brasileiros João Lima Sant’Anna Neto, professor da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp) do campus de Presidente Prudente, e Andrea Cavicchioli, docente da Escola de Artes e Ciências Humanas da USP (EACH). Os palestrantes discutiram exemplos de alterações climáticas na escala regional e também sobre como essas refletem em ecossistemas vulneráveis.
Biodiversidade e gestão de políticas públicas
A geógrafa Anne-Elisabeth Laques realiza estudos sobre impactos e conservação da biodiversidade, sobretudo na Floresta Amazônica. Laques utiliza em suas pesquisas análises das paisagens. Durante suas falas, a francesa focou principalmente nos trabalhos do Projeto Biodam (Biodiversidade e Gestão Sustentável dos Recursos Naturais na Amazônia), desenvolvido em parceria entre o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), Institut de Recherche pour le Développement (IRD) – do qual ela é pesquisadora, e o também francês Centro de Cooperação Internacional em Pesquisa Agronômica para o Desenvolvimento (Cirad). Um dos objetivos principais do Biodam era relacionar a questão da diversidade com os recursos renováveis da Amazônia. Segundo Laques, sua função no projeto era estabelecer relações entre a dinâmica da biodiversidade e a forma como as políticas públicas eram geridas.
Como não era possível esperar pelos dados sobre os impactos causados pelo desmatamento sobre a biodiversidade, enviados por botânicos que desenvolviam pesquisas na região e muitas vezes nem mesmo dispunham prontamente desses dados, a geógrafa contou que teve que “encontrar uma maneira de observação mais rápida”.
Para isso, além de realizar análises mais simples, baseadas em seus exames dos extratos das florestas, Laques também desenvolveu o princípio de uma de escala de valor adaptada para avaliar a erosão da biodiversidade. Ela foi baseada em uma escala de valores semelhante a elaborada pelo vulcanólogo italiano Giuseppe Mercalli, utilizada para medir a intensidade de um terremoto de acordo com seus efeitos sobre as pessoas e as estruturas construídas e naturais, e na escala usada para a avaliação do risco de avalanches na Europa. Os objetivos de criação dessa nova técnica de medição foram ordenar e classificar a intensidade dos danos sobre a biodiversidade.
Mais tarde, Laques também pôde contar com o auxílio de imagens de satélite e, quando os dados dos botânicos foram disponibilizados, descobriu que eles correspondiam aos que ela tinha apreendido em suas observações. Os estudos permitiram à pesquisadora concluir que, por exemplo, ao contrário do que se esperava, o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), não influi nas curvas de biodiversidade, ou seja, as que representam os lugares com elevada biodiversidade continuam a baixar, enquanto as que retratam os locais com baixa biodiversidade tendem a aumentar pouco.
Mudanças climáticas no oeste da França: o caso das secas
Vincent Dubreuil é geógrafo e professor da Université de Rennes na França. Além de realizar estudos sobre climatologia no Brasil, principalmente na região amazônica, ele também coordena um núcleo focado em sensoriamento climático e mudanças do clima. Durante o seminário, Dubreil apresentou dados sobre a seca no oeste da França, que abriga a região administrativa da Bretanha, cuja capital é Rennes, sede da Universidade.
Nos últimos anos, sobretudo em 1989 e 2003, ano em que ocorreu a última onda de calor na Europa e que vitimou aproximadamente 15 mil pessoas somente na França, a região oeste do país vem sendo assolada por um forte déficit hídrico. Como a Bretanha tem como uma de suas primeiras atividades econômicas a agricultura, a situação torna-se ainda mais complicada. Estima-se que, no mesmo ano de 2003, por exemplo, tenha havido uma queda de 30% na produção agrícola.
De acordo com Dubreuil, os problemas causados pelas secas se intensificaram quando os agricultores da região substituíram o cultivo de cereais tradicionais, que podiam ser cultivados no inverno, como trigo, pelo milho e pelas pastagens. “A seca durante o mês de agosto não tinha nenhum impacto sobre a produção de trigo. Hoje, uma cultura que se desenvolveu muito na região é o milho, planta que possui um valor energético muito alto para o gado. No entanto, é impossível cultivar milho no inverno, por isso, durante os meses de verão, julho e agosto, os agricultores têm problemas com a seca.”
Para o geógrafo francês, existe uma contradição entre as orientações agrícolas passadas pelo governo aos produtores e as mudanças climáticas. No entanto, Dubreuil também apontou que, apesar de seus fortes impactos sobre a agricultura, o evento climático pode ser considerado “seletivo”, pois não influi sobre o turismo, outro carro-chefe da economia na região.
O período das secas é caracterizado pelo aumento das temperaturas e diminuição das chuvas, sobretudo no mês de agosto. Segundo previsões de meteorologistas e estudiosos as secas devem continuar a aumentar na região até 2.100 e, no fim do século 21, o déficit hídrico no oeste da França deverá ser cerca de três vezes maior do que o atual.
Efeitos potenciais das queimadas e do desmatamento em escala regional
Andrea Cavicchioli é professor de química da EACH e realizou estudos sobre a concentração e a composição de aerossóis na região do Mato Grosso. Aerossol pode ser um termo utilizado para designar tanto o objeto que contém o gás sobre pressão, pronto para uso, conhecido como spray, quanto um conjunto de partículas muitos pequenas de algum material que ficam suspensas no ar. Tais partículas podem ser emitidas de maneira natural, através da vegetação, das erupções de vulcões, ou podem se originar de algumas atividades humanas, como a queima de combustíveis fósseis e as queimadas nas florestas.
“Quando pensamos em mudanças climáticas, estamos estudando algo relacionado com o balanço radiativo [energia que vem do Sol] da Terra”, disse Cavicchioli. Esse balanço representa uma noção de quanta energia entra e quanta energia sai do planeta. Segundo o químico, em condições normais, esse balanço deveria fechar, ou seja, a mesma energia recebida deveria ser emitida para o espaço. No entanto, existem vários fenômenos de retenção desse potencial energético, que são capazes de alterar o balanço. Caso do efeito estufa. É em decorrência desses eventos que acontecem as mudanças climáticas.
Os dois últimos relatórios do IPCC demonstram a contribuição dos aerossóis na aceleração do processo dessas mudanças climáticas. Apesar disso, os relatórios também mostram que ainda há muitas incertezas sobre a constituição desses. “Inúmeros trabalhos discutem a diferença entre ter muitas partículas composta por diferentes materiais e ter uma partícula que internamente é constituída por vários tipos de substâncias”, exemplificou.
Outra diferença que o quarto e último estudo do IPCC evidenciou é a que envolve a ocorrência de efeitos diretos causados pelos aerossóis, relacionados à capacidade absorção de energia radiante desses e de efeitos indiretos, ligados a sua influência na formação de nuvens.
Interessado em estudar as mudanças causadas pelo aquecimento global em um âmbito mais local, Cavicchioli coletou, em 2009, amostras de materiais particulados em sete cidades mato-grossenses. O período de coleta, muito chuvoso, segundo ele, foi desfavorável e influenciou os resultados da pesquisa, pois nesse tempo houve queda no número de queimadas e na liberação de material particulado.
No entanto, mesmo assim, o estudo conseguiu chegar a algumas conclusões. A mais importante delas é que as mudanças do uso da terra, o desmatamento e a realização de queimadas realmente contribuem para o aumento na concentração de aerossóis na atmosfera.
Eventos climáticos no litoral paulista e desastres ambientais
João Lima Sant’Anna Neto é geógrafo e professor titular do Departamento de Geografia da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Unesp de Presidente Prudente. Durante sua palestra, o pesquisador falou sobre a dinâmica climática do litoral paulista. Segundo pesquisas, nos últimos anos, as temperaturas máximas na região costeira aumentaram cerca de um grau ou um grau e meio, enquanto as mínimas tiveram aumento de pouco menos de um grau. Esse aumento se deve ao aquecimento global, aliado às queimadas e ao desmatamento na região.
Segundo ele, mudanças no padrão de uso do solo e a ocupação sem planejamento desse são as grandes responsáveis pelas catástrofes que assolam a região, como os grandes deslizamentos de terra.
Um ranking organizado pela Universidade de Cambridge delimitou 27 tipos de desastres ambientais, dos quais 23 têm origens climáticas. Entre esses últimos, os três que apresentam a maior carga de impactos são as secas, as enchentes e os ciclones tropicais.
No período que se estende de 1970 a 2004, 39% dos desastres climáticos foram causados por enchentes, número bem próximo ao de catástrofes causadas por ciclones ou tornados, que ocupam 34% das estatísticas. Logo depois surgem as secas (11%) e os deslizamentos (7%), eventos de ocorrência comum no Brasil, quadro que mostra a urgência da elaboração de novas políticas públicas para reverter o processo.