São Paulo (AUN - USP) - Na última quinta-feira, Waldir Gonçalves, diretor de engenharia da Embraer Defesa e Segurança, apresentou sua palestra “Desenvolvendo tecnologias, ultrapassando limites” para a comunidade acadêmica da Escola Politécnica. Na apresentação, Waldir apresentou o desempenho da Embraer nos últimos 40 anos e as estratégias encontradas pela empresa para consolidar-se no mercado da aviação mundial na última década.
Com mais de 20 anos de experiência, Waldir alertou os alunos da Poli sobre um problema que ele viu ao longo da carreira. “Tem algo acontecendo com os engenheiros que queriam discutir com vocês”, disse o executivo. Ao longo das crises que a Embraer enfrentou, o principal critério para determinar o desligamento de um funcionário não era sua formação, mas sua postura e atitude no ambiente profissional. Waldir advertiu: “Prestem muita atenção não só na parte técnica, mas na parte humana”.
As peculiaridades da indústria
A indústria aeronáutica apresenta desafios particulares, por depender de pessoal extremamente qualificado e capital intenso. É um negócio de alto risco, que obriga as empresas a manterem uma baixa escala de produção e um tempo de maturação longo para novos projetos. “Não se pode errar nesse ramo”, disse Waldir. Em compensação, para o engenheiro, assistir ao primeiro vôo de um avião do qual se participou do desenvolvimento “é como por um filho no mundo”.
Como o erro é imperdoável no ramo da aviação, houve muito cuidado com o desenvolvimento do 170, que durou 56 meses. Foram analisadas mais de 2.000 condições de vôo, que estimaram com precisão os resultados de 13 ensaios diferentes. Waldir ilustrou o exemplo com o ensaio em que a asa do 170, fabricada no Japão, se partia com uma carga pouco superior a 200% da máxima, enquanto as análises haviam apontado ruptura em 210%.
Problemas com aeronaves já entregues também afetam gravemente a imagem da empresa. Em 2006, durante o inverno rigoroso no hemisfério norte, alguns aviões da Embraer apresentaram problemas devido a falhas na operação e causaram transtornos a centenas de passageiros. Sem esclarecimento, a culpa pelos incidentes foi atribuída às aeronaves. Waldir foi responsável por uma série de ações para reverter a situação, que culminou com a confirmação da aquisição de mais 200 aeronaves por parte da empresa aérea que havia feito a encomenda.
Voando cada vez mais alto
A Embraer passou por períodos muito turbulentos ao longo de sua história. Fundada em 1969, a empresa prosperou nos anos 70 e 80 com aeronaves destinadas a voos regionais. Contudo, durante a crise do final da década de 80, quase faliu e foi privatizada em 1994. A partir de então, a empresa lentamente se reestabeleceu e atualmente é a terceira maior aeronática do mundo, ao lado da canadense Bombardier.
Waldir Gonçalves atribuiu parte desse sucesso às inovações que nortearam a Embraer nos últimos anos. De todas as grandes empresas de aviação do século 20, restaram apenas quatro, entre fusões e falências das demais. Devido ao mercado muito restrito, a inovação é a base do diferencial competitivo.
Contudo, inovar é um desafio para qualquer empresa. Enquanto uma invenção pode surgir a qualquer momento e não ter nenhuma utilidade para a empresa, a inovação exige tempo, diversidade e um intercâmbio de ideias encontrado em ambientes favoráveis. Diz respeito a processos, produtos e marketing. “Inovação significa negócios e não apenas tecnologia”, resumiu Waldir.
A inovação motivou o desenvolvimento de 16 aeronaves diferentes na última década, mais do que qualquer outra empresa. Os grandes destaques foram os modelos 170 e 190, conhecidos como E-jets, com capacidade entre 70 e 120 passageiros. Diferentemente da principal concorrente, os E-jets são modelos completamente novos e únicos, em vez de versões alongadas de aeronaves menores. Um dos maiores destaques foi a inovação no design das cabines, que tornou-se um desafio maior na questão da aerodinâmica do avião. Contudo, o sucesso no desenvolvimento resultou em uma aeronave mais confortável e espaçosa do que a do concorrente.
Investimento humano Waldir Gonçalves mostrou aos alunos o programa de treinamento da Embraer voltado especificamente para a aviação. Com tom crítico, Waldir explicou que o curso se faz necessário devido à falta de escolas de engenharia aeronática no país. O próprio executivo, por exemplo, é formado em engenharia naval. O curso da Embraer termina com o desenvolvimento de um projeto de aeronave, que em alguns casos é aproveitado pela empresa, e garante ao engenheiro o título de mestre pelo Instituto de Tecnologia da Aeronáutica (ITA).
Contudo, o grande investimento da empresa em educação começa mais cedo. O Instituto Embraer é o responsável por manter o Colégio Juarez Wanderley, em São José dos Campos. O colégio oferece o ensino médio e aceita apenas alunos de algumas cidades do Vale do Paraíba que tenham cursado a segunda parte do ensino fundamental em escolas públicas. Anualmente, 200 alunos são selecionados através de um vestibulinho. O colégio fornece transporte, alimentação, material e uniforme para os alunos.
Primeiro colocado estadual no Enem de 2008, o ensino do colégio dá resultados visíveis. Dos 204 formandos de 2010, todos foram aprovados em alguma universidade e 70% passaram no vestibular de instituições públicas de ensino superior. Victor Hugo Rossi, de 18 anos, foi um dos aprovados na USP. Atualmente, ele está no primeiro ano de engenharia elétrica na Poli.
Victor Hugo conta que conheceu o colégio em 2004, quando mudou-se para Taubaté, e dedicou-se aos estudos durante todo o ensino fundamental para passar no vestibulinho em 2007. Para o ex-aluno, o benefício do colégio para sua vida é inestimável. “Eles focam muito no aprendizado social, não só na parte técnica das matérias. Afinal, não adianta você sair da escola sabendo escrever mas sem saber falar com os outros”, explica Victor Hugo.