ISSN 2359-5191

16/06/2011 - Ano: 44 - Edição Nº: 49 - Sociedade - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
Na vibe da música eletrônica, cultura club e suas linguagens visuais

São Paulo (AUN - USP) - No final dos anos 90, Rosana Martinez frequentava clubs paulistanos e se apaixonou pelo ambiente visual desses lugares. Começou a colecionar flyers das festas e depois juntou milhares com os digitais. “E eu me perguntava: o que gerava esse design caótico?” Ao pesquisar e documentar, descobriu que a linguagem gráfica dos flyers se originava de toda a experiência sensorial que o club reúne: fetiches do universo da noite, vibração da música e das luzes, delírio ou torpor causado pelas drogas e álcool, do resgate de uma identidade psicodélica e hedonista. Em muitos casos, mas não todos, a ambiência interna dos clubs origina o programa de identidade visual, esse envolvendo marcas, cores, impressos e sites.

Ao buscar também uma base teórica para o que tentava explicar, Rosana encontrou o livro de Baudrillard, Sistemas dos Objetos, de 1968, onde são definidos os conceitos de ambiência e arranjo, explica como nos relacionamos com o espaço e os objetos e como eles criam significado dentro do contexto.

É exatamente o que ela sustenta em sua defesa de mestrado pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU), cujos focos são a cultura club e a identidade visual dos clubes de música eletrônica. Rosana é designer gráfica e compartilha o escritório ADR, onde trabalha com identidade visual e sinalização corporativa.

Tribos da contra-cultura
No entanto, antes de analisar a linguagem visual dos clubs, é necessário entender um pouco mais sobre a cultura club e a música eletrônica. Por incrível que pareça, esse estilo musical tem origem no século 19, com a experimentação levada por músicos eruditos que buscavam ampliar a linguagem musical para além dos padrões estéticos vigentes, e com o auxílio de diversos instrumentos e equipamentos musicais, como o fonógrafo ou o théremin, deram origem a novos estilos, como a música concreta e a eletrônica. A música de pista é uma apropriação dessas experimentações em vertentes populares, iniciada na década de 70, quando o grupo alemão Kraftwerk , de formação erudita, misturou o rock alemão com as experimentações tecnológicas de estúdio e deram origem a exploração popular da música eletrônica, fazendo surgir na década seguinte os três principais estilos da música eletrônica contemporânea de pista.

No EUA, essas experimentações ganham características locais: em Nova York funde-se com a disco-music americana, adquire um aspecto mais feliz e é chamada de house, em Detroit é menos festiva e não tem voz, e em Chicago houve um mistura. A amplitude sonora, a luz, o álcool e as drogas criavam “um oásis de liberdade contra a repressão a negros e a gays”. A própria forma da música reflete isso, tanto que é chamada de faixa, pois a criação do DJ não é a música com começo, meio e fim, mas é uma crescente sonora com ritmos altos e baixos que se desdobram por horas e que transportam quem está na pista para um estado de êxtase, criando uma experimentação eletrônica e sensorial (se você não conhece: http://8tracks.com/dasistgutmusik/music-that-makes-me-go-crazy).

Ao mesmo tempo, os jovens ingleses que passavam as férias em Ibiza e ouviam os DJs norte-americanos voltaram para Londres iniciaram a onda da cultura club, uma cultura de gosto que ia além de simplesmente participar de festas e gostar de música eletrônica, mas que agrupava tribos com hábitos, dress codes e estilos de vida em comum. Inclusive, lá se originaram as raves, uma ramificação que até hoje perdura: festas que duram dias e juntam milhares de pessoas em algum lugar no campo, para ter mais liberdade do que na cidade.

Do ócio ao negócio
A influência chegou a São Paulo no final dos anos 80 e logo apareceram clubs de música eletrônica na cidade, com certas peculiaridades: nos Jardins, a música era mais Techno e house, mais sintética, e apareceu o estilo clubber, enquanto que a Zona Leste tinha outra raiz e lá apareceram os cybermanos, com a música mais para o drum’n’bass. Esses estilos diferentes se comunicavam um pouco, mas de qualquer modo a tendência foi ganhando mercado e se profissionalizando, passando de um negócio de tribo para um negócio de exploração comercial.

É aí que Rosana entra, na década de 90. Hoje, a partir do estudo, ela define alguns tipos principais de clubes eletrônicos. Os undergrounds, como A Lôca (na Frei Caneca), não mudaram muito desde então e ainda possuem a música experimental como elemento mais forte. O Lov-e, também desse início, transformou o que era underground e fragmentado e impulsionou a música na cidade, reunindo DJs europeus com artistas desconhecidos daqui. Os overgrounds, alguns dos quais mais detalhados adiante, mantêm as raízes de qualidade musical e cultura de grupo, mas possuem uma ótima infraestrutura para os eventos.

Os mainstreams, como o Disco, surgiram na década passada e se dirigem a um público AAA, com o ambiente sofisticado mais importante que a música. Os super clubs internacionais, como a Pachá ou Pink Elephant, também seguem essa linha, mas são franquias globais que têm uma identidade pasteurizada. Os clubs gays apresentam uma música mais popular do que os undergrounds e vê surgindo alguns mais sofisticados da Rua Augusta. Os pré clubs, como o Sonic, são onde acontecem os “esquentas”, a preparação para festas, e têm uma música mais chill out e pouca pista, e servem comida e bebida. Os dining clubs são uma mistura de restaurante, bar e pista, alguns, como o Asia 70, com pretensão de alta gastronomia.

Do espaço para o papel (e a tela)
Apesar disso, as dezenas de clubs que Rosana listou e analisou não estão em uma grade rígida de classificação, com alguns apresentando mais de uma ou outras tendências. Entre todos eles, a designer escolheu três dos overgrounds para estudar a linguagem visual dos ambientes e dos flyers.

Quem vai para a D-Edge, na Barra Funda, de repente entra em um mundo tecnológico. Em 2000, o designer Muit Randolph criou a identidade visual do primeiro club, em Campo Grande, era inspirado no filme original de Tron, de 1982. Em 2003 (e ano passado houve uma ampliação), ele inovou no mergulho que o outro club proporcionava e em São Paulo foi o pioneiro na tecnologia de criar o sistema de luz do chão à mesa de som, com a proposta sensorial de pulsar conforme o ritmo. É tido como um dos primeiros no ranking mundial em inventividade do espaço. A HotHot, na Bela Vista, tem uma linguagem mais retro, dos anos 70. No primeiro andar, o padrão gráfico no chão piso percorre continuamente pelos móveis do espaço (e ainda a homepage do lugar) e no sub-solo o forro é recoberto por uma pista luminosa em movimento. Facundo Guerra, o idealizador do Lions, que se localiza numa cobertura no Centro, cria uma identidade completamente diferente. Fetichismo, masculinidade, exclusividade e erotização compõem o espaço e linguagem visual do Lions, que tem referência no clube internacional de mesmo nome, local escuro, âmbar e com animais taxidermizados nas paredes. Por serem overgrounds, esses clubs se preocupam tanto com o ambiente em que as pessoas se inserem, quanto com a música – a exemplo de Facundo, do Lions, e de Flávia Seccato, da HotHot, para os quais “não me venham pedir para tocar Lady Gaga”.

Em relação à linguagem gráfica, ela representa tão bem o clube quanto seu ambiente: a logomarca da D-Edge exprime sua inovação tecnológica e sensorial, a da HotHot mostra o caráter irreverente e divertido e a do Lions retrata a exclusividade e a sedução.

Os flyers, por dialogarem mais com o evento específico do que ao clube em geral, apresentam uma diversidade enorme de estilos. Alguns mantêm o logo da festa nos panfletos, como a CIO, ou mudam de acordo com o designer, como a Freak Chic, ambas da D-Edge. Outros mostram o caráter pornochic da festa, como a Party Íntima (que perpetua a moldura nos panfletos e muda somente a foto da mulher no centro). Alguns, como a Killing the Dance, Alelux ou Vai!, mostram a presença do círculo de pessoas da moda, cinema e teatro com as fotos que saem de books de modelos. Há também os irreverentes, os com tema cinema, os retrô, os com colagens, os com efeito surreal, e infinitos outros tipos, inclusive os mutáveis, os quais o projeto consiste em não se apegar a um estilo único, mas cuja essência é a instabilidade.

E são essas as características do design gráfico contemporâneo: uma diversidade de estilos e referências utilizadas para criar mensagem dúbias e até contraditórias, onde nenhuma referência estética é rejeitada ou valorizada como única. Um design eclético que cultua a hibridização, e que carrega diversas referências que podem ser interpretadas por diferentes grupos. Uma produção que busca exaltar os valores cultuados pela cultura jovem da cidade, exprime toda a diversidade cultura urbana paulistana. Mil e uma facetas que podem ser impressas (ou, hoje, divulgadas virtualmente). E isso ultrapassa o design gráfico e entra em todo o espectro da linguagem visual, que está a nossa volta a todo tempo, seja numa balada de fim de semana no Morumbi ou num club alternativo na Augusta.

Leia também...
Nesta Edição
Destaques

Educação básica é alvo de livros organizados por pesquisadores uspianos

Pesquisa testa software que melhora habilidades fundamentais para o bom desempenho escolar

Pesquisa avalia influência de supermercados na compra de alimentos ultraprocessados

Edições Anteriores
Agência Universitária de Notícias

ISSN 2359-5191

Universidade de São Paulo
Vice-Reitor: Vahan Agopyan
Escola de Comunicações e Artes
Departamento de Jornalismo e Editoração
Chefe Suplente: Ciro Marcondes Filho
Professores Responsáveis
Repórteres
Alunos do curso de Jornalismo da ECA/USP
Editora de Conteúdo
Web Designer
Contato: aun@usp.br