São Paulo (AUN - USP) - De um modo geral, a figura da pessoa que joga videogame sempre foi muito estigmatizada pela sociedade. Pelo fato de tais indivíduos serem considerados escapistas, antissociais, “viciados” ou violentos, pouca atenção vem sendo dedicada no meio acadêmico para analisar a dimensão psicológica e as várias questões que envolvem as experiências de quem joga videogame.
Com o objetivo de compreender como se dá tal processo, o mestrando Thiago de Paula Cruz, do Instituto de Psicologia (IP) da Universidade de São Paulo (USP) desenvolveu a dissertação de mestrado Jogando Phantasy Star: trajetória compreensiva ao sentido de jogar videogame. Nessa pesquisa, baseada em descrições fenomenológicas que se baseiam nas experiências, houve uma busca por unidades de sentido e agrupamento em categorias analíticas para compreensão do sentido dessa atividade lúdica.
A compreensão da trajetória
De um modo geral, o pesquisador considera que existem três momentos claros inerentes à experiência de jogar videogames: o pre-ludere (ou prelúdio), no qual as pessoas são seduzidas pelo jogo e convidadas a entrar em sua esfera. Em seguida vem o in-ludere (estar em jogo), no qual os indivíduos são jogados e tudo o que fazem têm sentido direto com a tarefa colocada pelo jogo, com a qual se surpreendem, se angustiam e se sentem ansiosas. No terceiro momento, vem o pos-ludere, no qual as pessoas saem do jogo definitivamente por eventos que as distraem.
Antes de entrar definitivamente no jogo escolhido, Thiago afirma que existe “uma espécie de flerte entre jogador e jogo” e completa com a seguinte explicação teórica: “[o fisiólogo e etólogo holandês] Buytendijk diz que a melhor imagem para se pensar o jogo é o de uma porta pela qual atravessamos. Contudo, antes de entrarmos nela, seu interior cheio de vida nos seduz e nos convida. Ou seja, há o convite para que entremos, para que nos lancemos nele e, principalmente, que o levemos a sério.”
Na etapa seguinte, o pesquisador explica que as ações do jogador têm uma razão completamente voltada para o objetivo do jogo: “Nesse aspecto, há uma evidente seriedade de entrega ao jogo, que aparece pelo uso constante da primeira pessoa do singular nos relatos, mesmo quando se está no controle de um grupo formado de quatro personagens”. Nesse envolvimento, com o aporte teórico do filósofo alemão Hans-Georg Gadamer, Thiago explica: “ao dizer que ‘jogamos’ dá-se a entender que o jogador é o sujeito do jogo, mas não é o que acontece. Uma vez que nos submetemos a determinado jogo, somos jogados; ou seja, estamos em algo que se desenrola. O atrativo de todo jogo reside justamente nesta entrega e confiança que ele nos pede no pre-ludere e que promete, em troca, dar liberdade de movimento em meio a coisas que jogam conosco.”
Ainda no processo de in-ludere é importante observar que as surpresas da trajetória do jogo são fundamentais, as quais não acontecem somente pela aleatoriedade, mas pela própria relação estabelecida com tudo mais que está em jogo. “Isso é importante para que o jogo se mantenha, pois se há certeza de vitória ou derrota, o jogo é arruinado”, observa o pesquisador, ponderando a necessidade de haver alguma esperança de sucesso, para a experiência não ser mecanizada.
A análise realizada por Thiago revelou que, por mais que haja toda essa atmosfera de encantamento para entrar e um grande compromisso estabelecido no processo do jogo, sair dele é uma tarefa muito fácil: “Diversas coisas interrompem com facilidade o jogo, seja o telefone tocando, o sono ou o cansaço. O término do jogo possui certa melancolia, mas é aquilo que permite que guardemos tal experiência na memória e a transformemos em tradição, falando a respeito dele a outros.”
O videogame e a atual sociedade didatizante
Num contexto de interdisciplinaridade e em uma sociedade em que tudo deve ter uma função didatizante, o pesquisador considera que desenvolver games com o intuito de ensinar alguma coisa, faz com que eles deixem de ser jogos: “Isso porque todo jogo tem uma tarefa específica que só faz sentido dentro daquele mundo que compõe. Isso significa que a finalidade de todo jogo está nele mesmo e nunca fora dele.” Em sua visão, a questão é que a aprendizagem não é o objetivo dos jogos, mas um efeito, uma consequência diretamente associada a ele.
A proliferação de jogos educativos, para ele, pode levar à concepção equivocada que todo jogo é "leve" e "nada sério" já que a proposta por trás de "jogos educativos" é tornar determinado conteúdo "mais fácil e divertido".