São Paulo (AUN - USP) - Ocorreu no dia 7 de junho, um debate sobre anistia e justiça de transição promovido pelo IRI (Instituto de Relações Internacionais). A professora responsável, Deisy Ventura, coordenadora do Grupo de Estudos sobre Internacionalização do Direito e Justiça de Transição (Idejust), convidou o pesquisador Raphael Neves, doutorando do Departamento de Política da New School for Social Research de Nova York. O debate transcorreu com base na pesquisa desenvolvida por Raphael junto à orientadora americana Nancy Fraser.
A primeira parte do debate foi dedicada a uma breve explicação, um resumo do trabalho que Neves desenvolve. Segundo ele, a proposta da sua pesquisa é tentar estudar quando uma anistia é mais ou menos legítima. Para ele, é dever da sociedade processar os infratores. “O direito à verdade e à memória são reivindicações legítimas. A reivindicação por accountability (‘responsabilização’) é um direito humano”, afirma. Sendo assim, é menos importante punir do que imputar responsabilidade aos que cometeram crimes. Em termos do direito penal, a sentença vale mais que a punição.
Para Neves, “é muito saudável para a democracia a anistia justificada”. Como exemplo ele cita o caso sul-africano. Em 1995 foi criada a Comissão de Verdade e Reconciliação (CVR) com a tarefa de investigar e registrar os casos mais graves de violação de direitos humanos ocorridos naquele país entre 1960 e a primeira eleição democrática em 1994. “O modelo da CVR para conceder anistia aos violadores de direitos humanos é, talvez, uma das mais inovadoras e criativas contribuições para a justiça de transição em anos recentes”, afirma Nahla Nvali, membro da Comissão de Verdade e Reconciliação da África do Sul, sem seu texto Verdade e reconciliação na África do Sul, encontrado no site do Instituto Brasileiro de Análises Sociais (Ibase). “Para receber anistia, a pessoa precisava solicitá-la. Depois tinha de preencher os critérios estabelecidos, que incluíam a prova de motivação política, contar a verdade completa sobre o incidente e provar que suas ações tinham sido proporcionais ao objetivo perseguido”, explica. A anistia sul-africana era baseada na responsabilidade. O indivíduo assumiria responsabilidade por seus atos e seria anistiado. Àqueles que não se apresentassem ficava o risco de ter seu nome delatado por outros, o que poderia gerar um processo criminal.
Portanto, a Lei de Anistia brasileira de 1979, definida por Deisy Ventura como a “lei do durante-ditadura”, é pouco legítima. O lema “anistia ampla, geral e irrestrita” diverge do princípio de anistia justificada.
Anistia no Brasil
O projeto de lei 7376, que corre atualmente no Congresso Nacional, também foi discutido. Ele propõe a criação da Comissão Nacional da Verdade. O artigo 1º do projeto afirma que o objetivo de tal comissão seria “efetivar o direito à memória e à verdade histórica e promover a reconciliação nacional”. Para Deisy, a preocupação com a reconciliação nacional é descabida. “Como podemos falar, em 2011, em reconciliação nacional se a anistia discutida é sobre um período histórico que terminou em 1985?”, questiona. De fato, segundo teóricos apresentados por Neves, uma das funções da anistia seria a de reconciliação. Porém, isso se aplicaria a momentos de transição no Estado, algo que não ocorre mais no Brasil.
Soberania popular x direitos humanos
Após a explicação da pesquisa foi aberto espaço para comentários, perguntas e discussões. Um dos assuntos levantado questionou a legitimidade da lei de anistia uruguaia, aprovada pela população em dois plebiscitos, realizados em 1989 e 2009, mas revogada pelo governo em 2011. Neves explicou que, no caso uruguaio, a aprovação popular não torna a lei de anistia legítima. “Nem sempre a vontade do povo é legítima. A soberania popular não pode afetar os direitos humanos. A Suprema Corte serve para garantir esses direitos. Por exemplo, não foi feito um plebiscito sobre pena de morte no Brasil, e é bom que não faça”, afirma. Para ele, determinadas questões, como as que envolvem desrespeito aos direitos humanos não devem ser necessariamente consultadas publicamente, mas, sim, decididas pelo judiciário.