ISSN 2359-5191

24/06/2011 - Ano: 44 - Edição Nº: 55 - Ciência e Tecnologia - Escola Politécnica
Pai do maior navio de minério do mundo faz palestra na Poli
Presidente de empresa de projetos navais deu aula para alunos e ex-alunos da Escola Politécnica

São Paulo (AUN - USP) - Os alunos de engenharia naval da Escola Politécnica acompanharam, na tarde do dia 8 de junho, uma palestra exclusiva com Tomazo Garzia Neto, presidente da Projemar. O engenheiro e empresário foi convidado pela Poli a apresentar aos alunos todo o processo de desenvolvimento do maior navio para transporte de minério do mundo, o Vale Brasil, que teve todo o projeto realizado no país.

O evento contou com a presença de diversos ex-alunos da Poli e teve a mesa composta pelo diretor da Escola, professor José Roberto Cardoso, e pelo chefe do Departamento de Engenharia Mecânica, professor Ronaldo Salvagni. Cardoso fez questão de reafirmar a posição da Poli como um dos mais importantes centros de pesquisa de engenharia do país, responsável por aproximadamente um quarto da produção acadêmica na área. “O politécnico sempre pode fazer mais do que acha que consegue”, afirmou Cardoso.

O diretor criticou, contudo, a falta de projetos desenvolvidos no país: “A grande deficiência brasileira está centrada no projeto, que é fundamental na engenharia”. Tomazo rebateu as críticas, apesar de o próprio diretor ter afirmado, na introdução da palestra, que o caso da Projemar tratava-se de uma exceção. A opinião de Cardoso foi apoiada por Salvagni, que lamentou o fato de Tomazo ser uma exceção no cenário brasileiro e julgou “um absurdo” a ausência de divulgação do Vale Brasil.

Navegando em águas brasileiras
A história de Tomazo Garzia Neto na Projemar começou pouco após a fundação da empresa. Inicialmente, a Projemar era apenas o setor de projetos do estaleiro Emaq, no Rio de Janeiro, mas uma lei determinou que estaleiros não poderiam ter um escritório de projetos. Como consequência, a empresa foi fundada e Tomazo conseguiu um estágio. Contudo, devido a problemas de administração, a Projemar faliu.

A empresa foi restabelecida com uma nova equipe, da qual Tomazo fazia parte. O novo presidente da Projemar decidiu movê-lo da área de projetos para comércio. “Afinal, vende melhor quem sabe como é o projeto”, explicou Tomazo. Contudo, em uma crise no início dos anos 90, o presidente solicitou que Tomazo demitisse metade do pessoal. O engenheiro concordou, contanto que ele fosse o primeiro a ir embora. O presidente sugeriu, então, que ele comprasse para si a empresa. Tomazo aceitou o desafio e a Projemar embarcou em uma fase que dura até hoje.

Com o comando total da Projemar, Tomazo se esforçou em fazer uma empresa de projetos 100% brasileira, pois seus princípios pessoais não permitiam importar tecnologia ou pessoal capacitado do exterior. O novo presidente correu atrás de todas as certificações e construiu uma infraestrutura completa para seus projetos, com computadores capazes de criar modelos em 3D que cobrem todas as disciplinas necessárias no desenvolvimento das embarcações. Tomazo fez questão de montar uma biblioteca, que atualmente conta com o maior acervo de engenharia naval do país.

Embora não seja muito conhecida no seu país natal, a Projemar já recebeu diversos prêmios de reconhecimento por seus projetos ousados e eficientes. Tomazo destacou o primeiro navio de transporte de gás construído no Brasil, que transportava etileno a 104 graus centígrados negativos, uma temperatura tão baixa que afeta o comportamento da embarcação. Para superar o desafio, Tomazo enviou um jovem engenheiro aos Estados Unidos e, quando ele retornou, o projeto foi desenvolvido. “Se a gente não sabe, a gente dá um jeito de aprender”, resumiu Tomazo.

As características da costa brasileira sempre foram levadas em consideração no desenvolvimento dos projetos. O Log-in, maior navio de contêiner do Brasil, foi pensado especialmente para a navegação de cabotagem, com portos muito ruins e cargas muito pesadas. A empresa também se destaca no ramo de offshore, sendo a responsável pelos projetos de todas as plataformas de petróleo da bacia de Campos.

Apesar de tanta dedicação ao país, Tomazo afirma que “nunca teve apoio de ninguém no Brasil”. De acordo com o empresário, há muito discurso e pouca ação, fazendo com que os empreendimentos sejam realizados com capital próprio. Apesar disso, Tomazo afirma trabalhar seguindo todas as leis trabalhistas e ambientais do país e garante que compensa: “Lá fora, o reconhecimento é unânime”.

O Leviatã da Projemar
O dia da reunião de kick-off do projeto que, dez anos e muitas tentativas mais tarde, seria o Vale Brasil foi marcada por um evento que mudou o mundo. Enquanto Tomazo se reunia com executivos da Vale, uma secretaria entrou na sala preocupadíssima e pediu que ligassem a TV. Todos na sala assistiam apreensivos enquanto o segundo avião atingiu uma das torres do World Trade Center. A reunião foi adiada para a semana seguinte.

Quando o evento se concretizou, a Vale demonstrou interesse no desenvolvimento de alternativas para transportar minério de ferro do Brasil para a Ásia de maneira viável, visto que a viagem é muito longa e que as maiores concorrentes da Vale na China, as mineradoras australianas, levavam a produção em apenas sete dias. Era necessário o maior navio possível, mas que ainda assim fosse economicamente vantajoso. A empresa já estudava comprar um uloc (ultra large ore carrier, ou navio de minérios ultra grande) e convidou a Projemar a participar do concurso para o projeto básico.

Para a concepção do uloc, Tomazo utilizou uma abordagem completamente diferente do projeto de navios. “Pensamos em um projeto de navio integrado a uma cadeia de logística, em que a embarcação não era um fim, mas o meio”, disse o engenheiro. Assim, foram levadas em consideração as peculiaridades da rota a ser percorrida e dos portos de Tubarão, no Espírito Santo, e Ponta da Madeira, no Maranhão, de onde sai o minério de ferro que a Vale exporta, e do porto de Majishan, na China, destino do produto.

O projeto final do uloc era um navio com capacidade de 614 mil toneladas de minério, com 425 metros de extensão e boca (largura) de 80 metros. O projeto foi aprovado, mas como exigia a mobilização de um estaleiro inteiro para sua construção e a indústria naval estava em um pico da produção e cobrava preços altíssimos, nenhuma oferta competitiva foi feita e o uloc teve que ser deixado de lado.

Apesar dos desafios, a necessidade ainda não havia sido suprida. O frete para a Ásia já custava mais caro do que o próprio minério e a Vale perdia participação no mercado europeu porque os responsáveis pelo frete, na volta da viagem, passavam pela Europa com minério australiano, o que lhes permitia lucrar mais em cada jornada. Assim, a Vale decidiu investir no projeto de um navio um pouco menor, na categoria de very large ore carrier (navio de minérios muito grande). Assim teve início a concepção do Valemax.

A capacidade do Valemax é muito inferior à do uloc projetado anteriormente: 400 mil toneladas de minério, transportadas em um navio de 362 metros de comprimento e 65 metros de boca. O navio foi inteiramente projetado para ser abastecido e esvaziado no processo de single pass, single pour, que mantém a embarcação parada o menor tempo possível. Para que um navio tão grande conseguisse realizar um abastecimento desse tipo, foi desenvolvida a maior escotilha de porão do mundo, com fechamento automático, e um sistema de lastro que equilibrasse o navio e a carga com precisão.

Entre os cuidados tomados com a estrutura do Valemax estão o fácil acesso para as inspeções e o conforto oferecido à tripulação. A viagem é muito longa e, de acordo com Tomazo, seria muito difícil encontrar tripulantes dispostos a embarcar caso não houvesse condições excelentes de acomodação. Devido ao desenho do casco, os motores não são tão grandes quanto seriam no caso do uloc, o que resultou em uma redução de 35% de poluentes por tonelada transportada. “É uma pena que só a Projemar faça essas loucuras”, brincou Tomazo ao fim da explicação.

O projeto todo saiu por menos de 100 milhões de dólares, entre projeto e fabricação. Um dia antes de seu batismo, contudo, o novo presidente da Vale decidiu alterar o nome da embarcação para Vale Brasil, causando uma série de dificuldades para adaptar a documentação. Contudo, o Vale Brasil foi um sucesso e já estão previstas as entregas de mais duas embarcações do mesmo tipo.

O alerta final de Tomazo dizia respeito à necessidade de investimentos em pesquisa e projetos no Brasil. “É preciso criar uma concorrência mais sadia nesse ramo, para atrairmos mais clientes”, apontou o empresário. Para ele, é preciso tomar muito cuidado com os traficantes de tecnologia, que utilizam o parque industrial, mas travam o desenvolvimento tecnológico de um país. “Precisa brigar por isso, a gente não pode se conformar com essa situação”.

Leia também...
Nesta Edição
Destaques

Educação básica é alvo de livros organizados por pesquisadores uspianos

Pesquisa testa software que melhora habilidades fundamentais para o bom desempenho escolar

Pesquisa avalia influência de supermercados na compra de alimentos ultraprocessados

Edições Anteriores
Agência Universitária de Notícias

ISSN 2359-5191

Universidade de São Paulo
Vice-Reitor: Vahan Agopyan
Escola de Comunicações e Artes
Departamento de Jornalismo e Editoração
Chefe Suplente: Ciro Marcondes Filho
Professores Responsáveis
Repórteres
Alunos do curso de Jornalismo da ECA/USP
Editora de Conteúdo
Web Designer
Contato: aun@usp.br