São Paulo (AUN - USP) - Os alunos do PoliGNU, grupo da Escola Politécnica dedicado ao estudo de softwares livres, promoveram o último Papo Aberto com a presença de Leandro Salvador, membro fundador da Associação dos Especialistas em Políticas Públicas do Estado de São Paulo. Descontraído, Leandro mostrou aos presentes como funciona o planejamento do governo estadual e apontou um problema que passa despercebido para a maior parte dos brasileiros.
“Desconfio que corrupção não seja o maior problema do Brasil”, disse Leandro. Enquanto a corrupção é um problema sério que não pode ser tolerado, a maior parte do dinheiro público não é desviada, mas gasta de maneira irresponsável, causando o que ele chamou de desperdício passivo de verba. A falta de informação e fiscalização sobre esse desperdício expõe um problema estrutural do funcionamento do país.
Entendendo a máquina
O planejamento financeiro de um governo começa com o chamado Plano Plurianual, conhecido pela sigla PPA, apresentado sempre no segundo ano de mandato por todas as esferas do poder executivo. Contudo, a lei, que deveria ser um planejamento dos próximos três anos e do primeiro ano do próximo governo, “vira apenas uma formalidade, um cumprimento de legislação”, afirma Leandro. Com a ausência de um trabalho de planejamento do documento e com as emendas absurdas propostas pelo legislativo, o PPA torna-se apenas uma peça performática, que não permite um acompanhamento das ações daquela gestão.
“A essência do PPA não é cumprida. Não há o encadeamento lógico de ações esperado”, comenta Leandro. Assim, áreas cujos investimentos cabem a mais de uma esfera do poder acabam em um limbo, onde não se assumem responsabilidades e, consequentemente, não há o avanço necessário. “O PPA torna-se uma prestação de contas grosseira do que vai ser feito, uma bricolagem de ações que não leva a lugar algum”.
Com a frouxidão do PPA, os órgãos do governo, como secretarias e ministérios, não têm metas definidas e falta planejamento estratégico. Diante das situações do cotidiano, os administradores tendem a se virar com “idéias tiradas da cartola”, disse Leandro. “Sempre que isso acontece, tende a haver desperdício de dinheiro”.
Esse ciclo vicioso gera o desperdício passivo, que corrói as contas públicas. A falta de planejamento e o excesso de dinheiro motivam gastanças desnecessárias, embora dentro da lei. “Até a lei 8.666, referente às licitações, define muito bem a escolha dos fornecedores, fala da gestão de contratos mas sequer cita o planejamento das obras”, diz Leandro.
O grande problema desse sistema é a frouxidão na definição de metas. “O governo não 'canta a caçapa' e assim não sabemos onde o dinheiro está sendo desperdiçado”, conta Leandro. Ele destacou o plano de metas municipal do prefeito Gilberto Kassab, assumido 90 dias após a posse. No documento, o prefeito assumiu o compromisso de cumprir 223 metas, todas plausíveis e bem definidas. “É um avanço enorme perto do que nós temos, porque atualmente não tem transparência nenhuma”, elogiou Leandro.
“Estamos desabastecidos de democracia”
“Estamos à deriva”, disse Leandro acerca da situação do brasileiro em relação a um controle melhor dos gastos públicos. Enquanto o PPA não é determinado diretamente pela população, ele não atende às necessidades do eleitorado, mas sim do governante. Com o documento frouxo em mãos, que não estabelece objetivos concretos, não é possível fazer uma medição quantitativa das gestões e o debate não ocorre. “Ninguém debate, mas todo mundo vota. Ou seja, estamos desabastecidos de democracia”, concluiu Leandro.
A tecnologia é uma alternativa interessante para esse panorama. Um exemplo dado por Diego Rabatone, um dos organizadores do encontro, é o site White House 2 (www.whitehouse2.org), que funcionou por dois anos como um simulador da democracia direta via internet. Para Diego, “a internet pode ser uma ferramenta catalisadora, ser utilizada a favor da participação de todos”.