São Paulo (AUN - USP) - Grande parte dos adolescentes que habitam a cidade de São Paulo ingere quantidade insuficiente de alguns nutrientes importantes ao funcionamento do corpo humano, o que aumenta o risco do desenvolvimento de doenças crônicas em longo prazo. Esta foi a constatação de um estudo realizado de 2007 a 2009 por Eliseu Verly Junior, Dirce Marchioni, Chester Cesar e Regina Fisberg, todos pesquisadores da Faculdade de Saúde Pública da USP (FSP). Eles também analisaram a influência do nível econômico, da escolaridade e do estado nutricional na ingestão de nutrientes por parte dos jovens.
A pesquisa resultou num artigo de seis páginas e, com o título Variáveis socioeconômicas influenciam a prevalência de inadequação entre adolescentes: estudo de base populacional, foi publicada na edição de maio da revista Public Health Nutrition, vinculada à Universidade de Cambridge. Esta é a primeira vez em que um estudo brasileiro sobre o tema é veiculado em uma publicação internacional.
“Não havia pesquisas que avaliassem, em termos quantitativos, a ingestão de nutrientes por adolescentes no Brasil. Existiam apenas estudos pequenos e pontuais”, explica Eliseu, cuja tese de mestrado na FSP originou o estudo final. “Além disso, existe uma metodologia estatística de análise de ingestão de nutrientes, proposta pelo Instituto de Medicina dos Estados Unidos (IM-EUA), que tem sido muito pouco utilizada. Queríamos aplicá-la ao nosso estudo”, completa o aluno de doutorando do programa de Nutrição da FSP.
A pesquisa e seus resultados
Em 2003, os pesquisadores promoveram uma enquete com 525 adolescentes (276 meninos e 249 meninas), de 14 a 18 anos, de várias classes sociais e residentes no município de São Paulo. Em dois dias aleatórios, entrevistadores iam à casa dos jovens e perguntavam o que eles tinham comido no dia anterior. Dessa forma, utilizando a metodologia do IM-EUA, foi estimada a alimentação habitual em longo prazo dos adolescentes entrevistados. A partir disso, a alimentação foi transformada em valores nutricionais e a distribuição da ingestão dos nutrientes foi verificada.
Os nutrientes analisados no estudo foram: as vitaminas A, C, E, B6, B12, D e K, tiamina, riboflavina, fósforo, magnésio, zinco, cobre, selênio, niacina, cálcio, potássio e sódio. Boa parte dos adolescentes apresentou insuficiência de ingestão da maioria dos nutrientes. Porém, a maior inadequação de ingestão entre os adolescentes foi verificada em dois blocos nutricionais, ambos importantes para manter em bom nível os estoques do corpo e permitir o ótimo funcionamento de algumas atividades metabólicas.
Um deles, composto pelas vitaminas A, C e E, exerce função antioxidante no organismo, neutralizando a ação de agentes oxidantes (produtos de reações do próprio metabolismo, que prejudicam o funcionamento do corpo). Sua insuficiência pode levar os jovens ao desenvolvimento de doenças crônicas em longo prazo, como alguns tipos de câncer e problemas cardiovasculares. Cerca de 78% dos meninos e 71% das meninas têm insuficiência de vitamina A, 79% dos meninos e 53% das meninas sofrem com falta de vitamina C e 99% dos jovens ingerem quantidade insuficiente de vitamina E.
O outro grupo é composto por cálcio, magnésio e fósforo, e tem como principal função a manutenção da saúde óssea, que requer alta quantidade dessas substâncias. Segundo Eliseu, se esses nutrientes não forem ingeridos no nível recomendado, os riscos de se desenvolver doenças ósseas, principalmente osteoporose, aumentam. O estudo verificou que 49% dos meninos e 71% das meninas têm ingestão insuficiente de fósforo e que 89% dos meninos e 84% das meninas apresentam insuficiência na ingestão de magnésio. Quanto ao cálcio, menos de 1% dos jovens, de ambos os sexos, consumia quantidade acima do recomendado (1.300 mg por dia).
Exceções a esse alto percentual de insuficiência de nutrientes são a niacina e o selênio. Foi constatado que 0% dos adolescentes ingerem quantidade insuficiente de ambas as substâncias.
A quantidade de sódio também vai na contramão da maioria nutrientes. “Por causa da disseminação do sódio (presente no sal de cozinha) nos alimentos, grande parte dos adolescentes ingere quantidades além do recomendado”, explica Eliseu. Foi identificado que 99% dos meninos e 86% das meninas consomem sódio acima do nível considerado seguro para a saúde (2.300 mg por dia). Tal excesso aumenta o risco, principalmente, do desenvolvimento de hipertensão arterial.
Apesar do alto índice de insuficiência de alguns nutrientes entre os adolescentes, Eliseu afirma: “O fato dos jovens terem uma ingestão inadequada não é alerta nem motivo para que eles tomem suplementos nutricionais. É possível atingir todas as necessidades do organismo apenas com a melhora da dieta”.
Outras relações
A partir dos dados estatísticos, os pesquisadores também estabeleceram conexões entre a insuficiência de alguns nutrientes e índices socioeconômicos e nutricionais. De acordo com o estudo, os adolescentes cuja família é chefiada por alguém sem ensino fundamental completo, comparados àqueles cuja família é chefiada por alguém de alta escolaridade, apresentaram maior inadequação na ingestão das vitaminas A, C, B6 e B12 e de fósforo e riboflavina. Entretanto, a insuficiência de cálcio, magnésio e vitamina E não apresentou diferenças estatísticas entre adolescentes.
Em relação à renda familiar, os resultados foram praticamente os mesmos do nível de escolaridade. Aqueles que sobreviviam com menos de um salário mínimo por mês apresentaram maior insuficiência das vitaminas A, C, B6 e B12 e de fósforo e riboflavina do que os que viviam com mais de um salário mínimo. Quanto à insuficiência de cálcio, magnésio e vitamina E, houve empate estatístico.
Exceção a essas semelhanças entre o nível de escolaridade e a renda média mensal é o zinco. Enquanto que sua inadequação é praticamente a mesma entre jovens com chefe de família com alta e baixa escolaridade, os adolescentes de baixa renda apresentaram maior insuficiência de zinco dos que o de renda acima de um salário mínimo.
Por fim, foi feita uma comparação da inadequação da ingestão de nutrientes de acordo com o estado nutricional. Indivíduos com sobrepeso apresentaram maior insuficiência das vitaminas A, C e B12 e de fósforo e cobre do que aqueles com peso dentro dos parâmetros normais. Em relação aos outros nutrientes analisados na pesquisa, a insuficiência foi praticamente a mesma para jovens obesos e de peso normal.
Os pesquisadores esperam que, a partir dos resultados demonstrados pelo estudo, os governantes brasileiros formulem políticas públicas que estimulem os adolescentes a se alimentarem de forma mais completa e qualificada.