ISSN 2359-5191

03/10/2003 - Ano: 36 - Edição Nº: 17 - Saúde - Faculdade de Medicina
O quê têm nossas crianças?

São Paulo (AUN - USP) - No Brasil, principalmente em crianças das regiões Sul e Sudeste, há uma alta freqüência de alteração genética no gene responsável pelo controle do ciclo celular e pela supressão de tumores, o gene p53, localizado no braço curto do cromossomo 17. Coincidentemente, a incidência de tumores adrenocorticais (câncer no córtex adrenal) nas regiões Sul e Sudeste do Brasil é aproximadamente 10 a 15 vezes maior em relação à média mundial.

A mutação, localizada no exon 10 do gene p53, resulta na substituição do aminoácido arginina (Arg) por histidina (His) e é germinativa, isto é, já se nasce com ela. Com o intuito de estabelecer uma provável causa para essa elevada incidência, a presença dessa mutação foi investigada em 55 pacientes brasileiros – 37 adultos e 18 crianças – com tumores adrenocorticais esporádicos benignos e malignos, acompanhados no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, pela equipe do Laboratório de Hormônios e Genética Molecular. A mutação foi identificada em 19 pacientes, entre eles, 14 crianças e 5 adultos.

Esses dados confirmaram que essa alteração gênica está presente em alta freqüência nas crianças brasileiras com tumores adrenocorticais (76,5%) e que este achado não está restrito ao grupo pediátrico, uma vez que 13,5% dos adultos com tumores apresentaram a mesma alteração genética.

Mutação comum nas regiões Sul e Sudeste do País, a alteração do gene p53 é rara na maior parte do mundo. “Não há evidencias dessa mutação nos Estados Unidos e na Europa”, diz Ana Cláudia Latrônico, uma das pesquisadoras envolvidas no estudo. Pesquisas realizadas na Itália e na Inglaterra revelaram que tal mutação inexiste entre crianças italianas e britânicas.

O Conselho Internacional de Tumor Adrenocortical, organizado pela Universidade de Michigan e realizado entre 10 e 15 de setembro deste ano, reuniu 40 pesquisadores e médicos do mundo todo. Nele, novas formas de tratamento e novas pesquisas foram apresentadas e discutidas. Ana Cláudia Latrônico, representante do Brasil, se espanta ao lembrar da reação dos demais participantes quando apresentou os dados brasileiros. “Eles ficaram muito impressionados com o grande número de casos de tumores em nossas crianças e com nossa experiência no assunto”, comenta.

Tal espanto é compreensível. Nos Estados Unidos foram registrados, no ano passado, somente 25 casos de tumores adrenocorticais em crianças, o que é irrelevante quando comparado à realidade brasileira. Aqui, os tumores aparecem comumente em crianças, com maior freqüência aos quatro anos de vida. Destes, aproximadamente 95% secretam esteróides sexuais, principalmente testosterona, o que causa um quadro de virilização prematura nas crianças. Meninas e meninos desenvolvem, então, pêlos pubianos, acne, têm suas vozes engrossadas e órgãos sexuais e musculatura corporal aumentados. “Essas crianças passam a sofrer uma puberdade extremamente prematura. Muitas vezes, o nível de testosterona de uma criança de apenas um ano de idade já é igual ao de um adolescente em puberdade”, comenta espantada Ana Cláudia.

Para essas crianças, bem como para os adultos que desenvolvem esse tipo de tumor, a única chance de cura reside em uma cirurgia bem sucedida. “Até hoje não se tem uma quimioterapia ideal para o tratamento de câncer adrenocortical. O que trata esses pacientes é basicamente a cirurgia. Se a cirurgia não for curativa, esses pacientes têm alta chance de morrer”, lamenta a pesquisadora, que, reticente, tenta esconder a frustração pela falta de tratamentos adicionais efetivos.

Esse quadro assustador, que tem suas causas reais desconhecidas pela ciência médica, começa a ser desvendado. Atualmente, suspeita-se que o desenvolvimento desse tumor em crianças com a mutação do gene p53 se dá durante o amadurecimento da glândula supra-renal. “A suspeita para as crianças serem mais propensas a desenvolverem esses tumores são as alterações de pH na formação da supra-renal madura, que fornecem condições propícias para o aparecimento do tumor. Entretanto é só uma suspeita. As pesquisas continuarão, a partir de agora, com cooperação internacional”, ressalta Ana Cláudia.

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