ISSN 2359-5191

27/06/2011 - Ano: 44 - Edição Nº: 56 - Educação - Instituto de Psicologia
Pesquisa estuda relação de artistas de rua com avenida Paulista
Entender como esses profissionais vêem seu local de trabalho é um dos objetivos do estudo

São Paulo (AUN - USP) - História, psicologia e poética se entrelaçam na pesquisa de mestrado A poética urbana da Avenida Paulista pelos artistas que nela trabalham, de Tiago Marin, do Instituto de Psicologia (IP-USP). A partir de um trabalho sobre artistas de rua iniciado quando ainda estava na graduação, Marin deparou-se com questões como “qual é a relação dos artistas com a rua?” e “o que há de poético nesse tipo de trabalho?”. A partir disso, desenvolveu seu projeto, iniciado em 2010. “A pesquisa está nessa divisão da cidade como um lugar caótico, ruim, cheio de problemas e a idéia de poética como uma possibilidade de construir um vínculo com a cidade”.

Pertencente à área da psicologia aplicada ao trabalho, a pesquisa abrange a avenida Paulista e os artistas que nela trabalham sem vínculos formais com a Prefeitura. Atualmente, aos finais de semana ocorre a feira de artesanato na frente do parque Trianon, que é devidamente regulamentada e os expositores são cadastrados. Porém, existe a presença “não oficial” de estátuas vivas, músicos, pintores, escultores, entre muitos outros artistas nos arredores não só da feira, mas ao longo de toda a Paulista.

Na verdade, a quantidade desses artistas vem decaindo com o passar dos anos. “A presença deles em 2008 era bem mais forte do que agora”, explica Marin. E isso tem ocorrido devido ao policiamento intenso. “A lei diz que vender coisas sem ser devidamente cadastrado é proibido, porque se considera comércio ambulante. Por isso aqueles que vendem quadros e esculturas, por exemplo, já estão enquadrados como camelôs, e sofrem uma perseguição oficial da polícia”.

Quem fica no meio termo são os músicos e as estátuas vivas porque eles não estão vendendo nada, e ao mesmo tempo, possíveis pagamentos são de contribuição livre. Assim, por não se encaixar em comércio ambulante, essas práticas seriam, teoricamente, autorizadas. Mas, de acordo com Marin, o que muito desses artistas narram é “que há perseguição da polícia e até de alguns donos de prédios que expulsam os artistas das calçadas”.

Além disso, no fim de 2009 foi oficializada a “Operação Delegada” em que policiais militares recebem um incentivo financeiro para fiscalizar o comércio ambulante nos dias de folga, o que contribuiu para a diminuição desses trabalhadores.

Histórico
A pesquisa de mestrado inclui um detalhado desdobramento histórico da avenida Paulista para que a realidade de hoje seja compreensível. A respeito do levantamento de dados sobre o tema, Marin conta que foi difícil “porque quase todo texto é voltado ao turismo ou mistificam o território, dizendo que é um ícone e é aberta a todo mundo”.

A Paulista nasceu para a elite de São Paulo na virada do século 19 para 20. A cidade já estava em crise com a imigração e a questão sanitária, que já não comportava o boom populacional.

Enquanto isso, a elite construía os casarões de veraneio nesse ponto alto do território. Com a mudança da fase da época dos casarões para a arquitetura moderna, iniciou-se a construção dos prédios – que continuaram sendo destinados à elite por serem mansões verticais.

O grande momento que definiu a Paulista de hoje foi a construção do Conjunto Nacional, na década de 60. Projetado para ser um dos primeiros pontos comerciais da avenida, foi justamente a partir do crescimento do comércio que funcionários, trabalhadores em geral, passaram a freqüentar o ambiente, de forma que a via começou a se popularizar.

Na década de 80 teve início o declínio da Paulista, que se encontrava entre o temor de ficar como o centro – que já estava em forte decadência – e distante da Berrini, que se destacava como novo eixo comercial das classes abastadas. No mesmo período, surgiram associações que tentavam administrar e pensar o território. Essas associações entendiam o acesso do povo como algo que denegria a avenida. E assim, a perseguição a camelôs que estavam começando a se instalar ali foi iniciada, chegando a ponto de diminuir linhas urbanas de ônibus para limitar o acesso.

A situação atual
Uma característica da Paulista de hoje é ser, durante a semana, bem formal, profissional, e nos finais de semana receber mais atenção os cinemas, shoppings, bares, restaurantes. Além disso, muitos movimentos e eventos já foram – ou ainda são realizados na avenida com certa freqüência – como a Parada gay, a Marcha para Jesus, o Primeiro de Maio, festa de Réveillon, entre outros, sempre relacionados com turismo e retorno financeiro. Enquanto isso, as associações continuam existindo e se incomodam com os artistas de rua.

A questão urbana torna-se confusa, e disso surge uma leitura critica da urbanidade, capitalismo e reificação do espaço urbano. Essa é a parte mais teórica da pesquisa, em que Marin trabalhou com leituras sobre os problemas da urbanidade. Como contraponto, o pesquisador utilizou as idéias do livro Memória e Sociedade, de Ecléa Bosi. Outros autores referência foram Marshall Berman e Gaston Bachelard.

Sobre a poética
“A idéia de poética vem da fenomenologia, de entrar em contato com algo, uma experiência própria muito forte que desperta alguma coisa pessoal. Tudo pode ser poético.”A poética pode trazer o despertar para algo ou trazer uma novidade, e revela uma leitura muito pessoal daquilo que a despertou.

“É claro que a poética tem influência tanto da cultura, num sentido de moda e freqüência do que é normalmente tido por belo e poético, quanto na idéia do materialismo histórico de se ter um estilo de vida muito quadrado, muito voltado ao uso das coisas”, explica Marin.

Para tentar entender o que é poético no trabalho dos artistas da Paulista, a principal referência tem sido entrevistas com os artistas, para uma idéia de etnografia. As conversas acontecem no próprio local do trabalho deles e giram entorno do que é ruim e bom em São Paulo e a discussão da poética em si.

“São Paulo é vista com características muito ruins, como trânsito e violência, que apesar de serem vivenciados todos os dias, não deixam de ser um estereótipo da cidade. O que me chamou a atenção nessas conversas é que, no geral, eles falam dos problemas, só que acabam tentando tirar a culpa da cidade. Então volta o carinho pela cidade”, conta Marin.

Os artistas comentavam aspectos como o fato de na cidade ter de tudo, 24 horas por dia, acesso à cultura, vanguarda intelectual e artística. “Nesse jogo, os motivos da cidade ser ruim acabam indo direto para o governo, má administração ou para os próprios habitantes, no sentido de não se adaptarem”. Os artistas de rua acreditam, como observou Marin, que “cabe a cada um se adaptar a essas dificuldades e os que não conseguem vão embora. Então, apesar de haver o bom e do ruim, há o carinho, não só a cidade horrível”.

Em relação à Paulista, o que mostra que eles estão muito ligados àquele lugar é o entorno. Citam muito o espaço urbano, com os museus, cinemas, cultura, e beleza de estruturas arquitetônicas como o Masp. “Quando perguntava da poética, eles olhavam ao redor. Ou seja, essa paisagem urbana entra como referência”.

Porém, com o desenrolar da conversa, percebe-se que na verdade a poética preponderante para eles é composta pelas pessoas. “É a multiplicidade que encanta. Vão falando também da diversidade de ter a chance de conhecer e conversar com diversas pessoas”. Ainda assim, o estudo sobre a parte psicológica dessas entrevistas, no que se refere à poética, ainda não está concluído.

O rumo que Marin está dando para a dissertação é de que a poética é urbana porque cada um fala de seu entorno mas, no final, o que toca mais são mesmo os exemplos e narrativas que envolvem o homem. “Tem gente que fala de casal de velhinhos, pessoa cega que pede para ver a escultura com a mão. Exemplos desse tipo surgem mas não sobre uma temática homogênea. Por exemplo, não surge a beleza, o amor, a família, isso ainda é indefinido”.

A diversidade da Paulista
Marin diz que se esforçou para quebrar a difundida idéia de que a Paulista é completamente aberta à diversidade. “Tem uma diversidade? Tem. Mas é um lugar cheio de ambulantes? Não. É um lugar cheio de moradores de rua? Não. Tem uma certa ordem e presença massiva de policiamento. A cada dois quarteirões no mínimo há uma cabine de polícia. Então será que a convivência é tão boa?”

Ele cita ainda os recorrentes ataques aos gays que ocorrem na região da Paulista. Essa avenida tem um “mito de ser super aberta. Mas existe uma violência ocorrendo junto com isso”. Em suma, se o que tem sido abordado como poético para os artistas da Paulista são as próprias pessoas, o pesquisador pretende agora, entender “quem são as pessoas da Paulista. São elas que estão chamando a atenção. Mas porque são elas e quem são elas?”. Ainda que a tese de mestrado não esteja finalizada, muito já pode ser observado de suas pesquisas. Segundo Marin, a cidade “é caótica é problemática, mas, ao mesmo tempo, é onde construímos nossa vida a ponto de ter recordações muito importantes e muito fortes”.

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