São Paulo (AUN - USP) - Muito além do cuidado com a saúde bucal ou de questões estéticas, a odontologia abrange diversos campos, dentre eles a odontologia forense – que realiza diversos tipos de perícia, sendo peça chave em casos de identificação humana, por exemplo. O Laboratório de Antropologia e Odontologia Forense da Faculdade de Odontologia da USP – o OFLab –, tem desenvolvido pesquisas de vanguarda na área de odontologia legal no Brasil. Entre as diversas áreas de atuação, duas linhas de pesquisa têm ganhado destaque: reconstrução facial e avaliação de dano corporal.
O OFLab realiza perícias nas áreas criminal, civil e administrativa. A partir de solicitações de instituições como Institutos Médicos Legais (IMLs), Delegacias Especializadas (Mulher), Juizado da Infância e Juventude, o Laboratório presta assessoria, emitindo laudos, pareceres e considerações técnicas a consultas realizadas nas várias áreas da odontologia legal. Conta, ainda, com um setor de registro de imagens científicas com finalidade pericial, com ampla utilização da macrofotografia.
O Laboratório também se dedica à pesquisa e ao ensino, com foco no desenvolvimento de atividades de capacitação técnica e formação pericial para grupos de especialistas, pós-graduandos e odontolegistas, além de fornecer orientações para profissionais que atuam na atividade forense. Entre estagiários, alunos de iniciação científica e pós-graduandos, participam das atividades do OFLab cerca de 20 pessoas, sob coordenação do professor Rodolfo Francisco Haltenhoff Melani, do Departamento de Odontologia Social, que ministra aos alunos de graduação a disciplina Odontologia Legal.
Reconstrução facial e identificação humana
A linha de pesquisa de reconstrução facial, realizada por alunos da pós-graduação e um dos atuais focos do OFLab, busca definir parâmetros nacionais para se reconstruir a face através de dados odontológicos, com o uso de scanners. A imagem obtida torna-se uma referência, podendo então ser divulgada. Assim, alguém pode reconhecê-la e identificar a pessoa em questão, em casos de carbonização ou acidentes coletivos, por exemplo. “Embora existam técnicas consagradas, as referências de espessura do tecido facial ainda não estão consolidadas em brasileiros. Tentativas desse tipo estão sendo feitas, através de parâmetros de trabalhos publicados no exterior”, aponta o professor Melani. “[Esta] é uma linha de pesquisa no Brasil que está se importando, lançando um olhar para parâmetros nacionais, pois, visivelmente, fica claro que existem particularidades de espessuras entre brasileiros.”
O docente ressalta que, das quatro estruturas mais resistentes do organismo, três estão nos dentes: o esmalte, a camada externa, a dentina, interna, e o cemento, área que recobre a raiz. Tais estruturas apresentam um alto grau de mineralização, o que faz com que tenham maior resistência e durabilidade, não apenas as estruturas em si, mas também, possivelmente, as restaurações e trabalhos odontológicos realizados, como uma coroa metálica, por exemplo.
Daí a importância da odontologia na identificação humana, pois, geralmente, tais estruturas prevalecem em detrimento de outros ossos do corpo. “Isso pode ser observado em circunstâncias tais como esqueletização, carbonização e afogamento por um longo período”, diz Melani. “Você consegue uma informação que pode ser importante para comparar o estado em que [o corpo] chega com registros anteriores, para observar se a mandíbula encontrada, vale dizer, a ossada encontrada, corresponde a essa pessoa já previamente sabida.”
Avaliação do dano corporal
Outra linha de pesquisa que está sendo realmente aprofundada pelo OFLab é a avaliação do dano corporal, decorrente de agressão ou traumatismo. As sequelas da lesão são avaliadas, possibilitando à Justiça e às demais partes envolvidas a compreensão do dano causado e seu significado biológico. Segundo o professor Melani, o dano, do ponto de vista jurídico, tem que ser quantificado em termos de valor, pois tem uma certa representavidade para cada indivíduo.
É preciso analisar o que representa para determinada pessoa a perda dos dentes ou a fratura da mandíbula, por exemplo. A quantificação do grau do dano em valor monetário não visa à sua superação, como ressalta o professor, mas a uma ideia de tentativa de compensação. “Esse trabalhador vai deixar de poder exercer atividade como exercia, vai, eventualmente, ter um prejuízo na fala, uma debilidade de mastigação... é necessário, então, que tudo isso seja quantificado”, explica Melani.
Essa é uma discussão relativamente nova no Brasil, embora existam parâmetros europeus. Na Europa, tais medidas não são fruto de uma lei específica, mas de um consenso, um pacto entre os diversos setores da sociedade. Melani diz: “O que estamos buscando aqui [no Brasil] é a divulgação de parâmetros, de uma tabela, para que fique mais fácil e mais entendível para as partes envolvidas observarem e materializarem aquele dano, para que não seja algo tão abstrato.”
Outras atividades
Outra área de atuação no OFLab é a perícia de marcas de mordida. Através dos determinados parâmetros deixados nas vítimas de agressão, normalmente mulheres e crianças, como aponta o professor, é possível fazer o levantamento dos dados técnicos, permitindo o confronto com o suspeito e identificando a autoria do agressor, sempre através de referências científicas.
O Laboratório também realiza estimativa de idade através de indicadores odontológicos, particularmente em crianças e adolescentes, para fins de registro civil ou identificação pericial. Também emite laudos de responsabilidade profissional, buscando caracterizar a conduta do cirurgião-dentista. Além disso, o OFLab atua na área de antropologia, analisando estruturas ósseas do crânio ou fragmentos através de técnicas micro e macroscópicas, visando à identificação anatômica para posterior confronto com dados odontológicos.
Para Melani, a odontologia forense brasileira tem evoluído significativamente, sobretudo nos últimos oito anos, incorporando parâmetros mais técnicos, mais científicos. Segundo ele, a atividade de alguns IMLs tem se aproximado de um diálogo com a universidade, respaldado por teses e pesquisas. Melani também ressalta que existe uma área de concentração específica na pós-graduação em odontologia legal, sendo que a primeira turma da FO está se formando agora. O professor aponta que a FO provavelmente seja a única do Brasil a proporcionar estudos de doutorado nessa área.
Vem Seminário por aí...
Nos dias 18 e 19 de agosto, ocorrerá, na FO, a II Jornada de Odontologia Forense da USP, que abordará aspectos técnicos da área. “Nessa Jornada, tentaremos conciliar as últimas técnicas utilizadas diretamente no emprego da odontologia legal, e teremos palestras reunindo nomes de referência na odontologia legal nacional”, diz Melani. O evento também contará com cursos pré-congresso voltados para o desenvolvimento de técnicas específicas, como de reconstrução facial e de quantificação de dano.
O Seminário será aberto a todos, porém é necessário efetuar inscrição prévia. Mais próximo ao evento, haverá um link para inscrição no site da FO – www.fo.usp.br. Os interessados também podem obter mais informações através do telefone (11) 3091-7891.