São Paulo (AUN - USP) - Há alguns anos, a discussão sobre o TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade) ganhou bastante espaço na sociedade. Pela falta de conhecimento, o tema sofreu uma certa banalização, já que havia uma preocupação exagerada que qualquer falta de atenção de uma criança poderia ser um sintoma da hiperatividade.
Para Camila Tarif Ferreira Folquitto, mestre pelo Instituto de Psicologia (IP) da Universidade de São Paulo (USP), “toda criança, em certo grau ou em determinados contextos, é agitada, desatenta ou impulsiva, mas isto não quer dizer que ela tenha o TDAH, pois esses não são os critérios exclusivos para o diagnóstico”.
Como o enfoque midiático transformou o transtorno em um modismo, a psicóloga vê como necessárias pesquisas que considerem os aspectos do desenvolvimento de crianças com TDAH para ajudar a estabelecer e definir os contornos do que deve ser considerado sintomático da hiperatividade dentro de cada faixa etária.
Em sua dissertação Desenvolvimento psicológico e transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH): a construção do pensamento operatório, Camila procurou uma compreensão mais dinâmica do fenômeno que ultrapassasse as pesquisas atuais sobre TDAH, as quais, de um modo geral, estão muito direcionadas à descrição dos sintomas e aos testes de medicamentos. “Estudos na área da psicologia, demonstram que crianças com TDAH são mais impulsivas, agem sem pensar e têm uma certa dificuldade em compreender as conseqüências de suas ações. Além disso, tais pesquisas revelam que hiperativos têm dificuldades em entender conceitos relacionados à percepção da passagem de tempo. Sendo assim, a partir dos pressupostos da teoria de Piaget, procuramos estudar as características do desenvolvimento das noções operatórias de pensamento destas crianças, entendendo que, embora Piaget tenha estudado somente crianças com o desenvolvimento típico, podemos utilizar sua teoria para pensar a questão do desenvolvimento de crianças com esse transtorno”, explica a psicóloga.
A dissertação é resultado de uma pesquisa que contou com o financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e com a orientação da professora Maria Thereza Costa Coelho de Souza, também do IP da USP.
Noções operatórias
Para a análise, foram coletados dados no Ambulatório de TDAH do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, onde foram realizadas entrevistas diagnósticas com crianças hiperativas e seus pais. Além disso, foi observado também um outro grupo de crianças com as mesmas características etárias, escolares e sócio-demográficas que não tinham diagnóstico de TDAH, a fim de comparar o desempenho delas. “No método adotado, a criança era entrevistada de maneira a desencadear crenças e justificativas que permitam ao pesquisador observar o raciocínio e a qualidade de pensamento da criança, indicando as características do desenvolvimento”, observa Camila.
A pesquisa, realizada com 62 crianças, observou diferenças importantes: crianças hiperativas apresentaram dificuldades em relação ao desenvolvimento das noções operatórias, apresentando um tipo de pensamento mais próximo ao de crianças mais novas sem TDAH.
Para a psicóloga, a dificuldade de concentração e o alto nível de agitação dessas crianças, provavelmente, acarretam uma interação com os objetos (sejam eles concretos, abstratos, seres humanos, livros e brinquedos) menos enriquecedora do ponto de vista cognitivo, justamente devido a uma incapacidade de focar, por muito tempo, a atenção num determinado objeto para conseguir ultrapassar o campo da experiência física e alcançar a partir da interação com os objetos, experiências lógico-matemáticas que permitam abstrair relações das ações. “Em outros termos, poderíamos dizer que existiria uma dificuldade, por parte dessas crianças, de conseguir compreender e retirar as significações de suas próprias ações. Ou seja, podem realizar ações bem sucedidas no presente, entretanto, possuem uma dificuldade em compreender as razões que desencadearam as ações, não sabendo explicar como nem por que fizeram.”
Uso de medicamentos
A pesquisa também observou que as crianças com TDAH que utilizavam um medicamento à base de metilfenidato não tiveram nenhum diferencial quanto ao desenvolvimento das noções operatórias se comparadas com os hiperativos que não faziam uso dessa medicação.
Para a psicóloga, isso leva à conclusão de que, em geral, a medicação reduz os níveis de hiperatividade, fazendo com que crianças medicadas tenham uma capacidade maior em focar a atenção. Entretanto, os aspectos estudados estão diretamente relacionados aos processos de desenvolvimento, e são resultados das interações constantes e progressivas da criança com os objetos, que são diferentes.
A psicóloga observa ainda que, a partir desses resultados, são necessárias reflexões a respeito de como é possível auxiliar o desenvolvimento das crianças com TDAH, o que, certamente, envolve repensar algumas práticas pedagógicas e também elaborar estratégias de intervenção com estas crianças, a partir de contextos lúdicos, situações-problema e outros estímulos que possam ser desafiadores para a criança, estimulando a reflexão e a busca do conhecimento.