São Paulo (AUN - USP) - Um cronograma de três eixos: a história da arquitetura no século 20, a evolução da computação pós Segunda Guerra Mundial e três exemplos arquitetônicos notáveis nessa relação. É esse o cerne da dissertação de mestrado de Silvio Sguizzardi pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU). Desde a graduação, Silvio percebia como faltava informação que relacionasse a tecnologia à arquitetura, por isso produziu seu trabalho Modelando o futuro: a evolução do uso de tecnologias digitais no desenvolvimento do projeto de arquitetura.
A começar pelo eixo da computação: depois da Segunda Guerra Mundial, muito do que havia sido desenvolvido antes na área foi utilizado para construção de máquinas gigantescas de sistemas de defesa e mísseis. Além das possibilidades observadas na parceria entre empresas e universidades, o público civil descobriu que poderia montar computadores a partir de kits para nos anos 1960, a exemplo do ECI em 1960. O termo computação gráfica foi cunhado pelo projetista aeronáutico William Fetter ao descrever seu trabalho para Boeing representando digitalmente um boneco anatômico, o Boeing Man. Outras iniciativas no campo acadêmico, como o Media Lab, no Massachusetts Institute of Technology (MIT), berço de diversas descobertas, e seu criador Nicholas Negroponte, fundador do atual projeto “One Laptop per Child” sempre tiveram papel fundamental no surgimento de novas tecnologias. Em 1975, o Altair 8800 entrou para história como o primeiro computador pessoal, mesmo que sua interface de programação não fosse muito amigável trabalhava com o mesmo tipo de linguagem ques as máquinas responsáveis pelas imagens da Estrela da Morte no filme Star Wars dois anos depois. Em paralelo a isso as indústrias automotiva e de aviação desenvolviam novas tecnologias, como, por exemplo, uma versão primitiva do AutoCAD (programa usado atualmente em arquitetura), assim como o Machintosh, duas das mais importantes inovações da década de 1980 no campo da computação.
O campo da ficção científica sempre serviu como fonte de imaginação para projetos reais, um exemplo disso foi a obra Neuromancer, escrita por William Gibson em 1984. Nela é usada pela primeira vez o termo “cyberspace”, que já povoava as mentes de vários pensadores mas nunca havia sido descrita com tanta clareza. Outro livro muito influente foi lançado em 1991, a coletânea de artigos Cyberspace First Steps, em que é discutida a arquitetura criada dentro do cyberespaço, com destaque para o conceito de Liquid Architecture, de Marcos Novak – “uma visão um tanto pessimista de não-lugares que existem somente em sua fugacidade”, como diz Silvio (mais sobre Arquitetura Líquida em http://tinyurl.com/arquiteturaliquida).
No eixo da história da arquitetura, certas construções e artistas preponderam: na década de 70, o museu Centre Georges Pompidou, de Renzo Piano e Richard Rogers. Na década de 80, o Institut Du Monde Arabe, de Jean Nouvel e o Parc La Vilette, de Bernard Tschumi, todos em Paris. Na década de 90, o Guggenheim Museo, em Bilbao, de Frank Gehry. E, na década passada, a Villa Nurbs em Empuriabrava, Espanha, de Ruiz Gelli. Todos eles utilizaram, de algum modo, a tecnologia digital em sua criação, mas Silvio escolheu três outros exemplos em seu terceiro eixo. A Casa da Ópera de Sidney, na Austrália, levou 17 anos para ser construída até a finalização em 1973. Seu complexo projeto estava envolto em problema políticos e superfaturamento, mas hoje é o um dos maiores ícones do país. O arquiteto Jørn Utzon dizia que havia se inspirado nas velas e barcos de sua cidade natal para imaginar as conchas (entenda aqui http://tinyurl.com/operasidney) características da obra – que cobririam a caixa cênica de dois palcos. No entanto, o projeto original dele não era fisicamente possível, até que Utzon veio com a resposta para as cascas: uma solução geométrica em que todas elas partiriam de um modelo de mesmo diâmetro, adicionando trechos proporcionais para as mais longas, otimizando o processo construtivo e facilitando enormemente a construção das grandes cascas.
“Apesar de todo o projeto ter sido testado inicialmente em papel, por desconfiança em relação ao computador, deve-se a ele que a concretização da obra, uma vez que foi a partir de modelos e cálculos digitais que foi viável o controle da numeração, posição e construção das peças, de proporções colossais”, explica Silvio sobre o que possibilitou a finalização da obra, que utilizou o computador não para conceber, mas para realizar a construção.
Algumas décadas mais tarde em 1997, o H2O Expo, um pavilhão no norte da Holanda, teve a tecnologia como base para toda a concepção do projeto, que seguia na direção de uma arquitetura interativa em relação aos visitantes ou ao meio ambiente. Um dos idealizadores do projeto, Lars Spuybroek queria criar uma extensão do corpo humano e baseou a forma dos pavilhões no movimento humano (análogo às fotos de Etiénne-Julez Marey, que registravam os movimentos frame por frame). Por isso os interiores seriam curvos, fluidos e repletos de sensores que mudavam a iluminação as projeções ou o fluxo de água que percorria o espaço.
Apesar disso, não havia a tecnologia necessária para aplicar da tela para a realidade os splines e nurbs (linhas formadas por pontos relativos e dependentes e as malhas), criações digitais muito mais flexíveis e interessantes que as linhas e arcos que compunham trabalhos mais tradicionais. Por isso, não apenas os pavilhões tiveram de ser adaptados, agora baseados nessas linhas e arcos, como também a produção da estrutura também teve de ser à moda antiga, curvando peças retas de metal para a montagem. “A H20 Expo é um exemplo da ingenuidade que acometeu os arquitetos frente a tecnologia, que acreditavam que com ela conseguiriam revolucionar as obras, mas, na verdade, não eram ainda capazes”. Além disso, a noção da arquitetura no cyberespaço, citada anteriormente e contexto da criação desse projeto, criou nesse caso “uma vítima de sua própria lógica, pois hoje os pavilhões estão em estado miserável (imagem em http://tinyurl.com/h2oexpohoje) e servindo para uma exposição desconexa à sua idealização original, expondo a efemeridade característica da arquitetura líquida”.
O terceiro e último exemplo de Silvio é o Mercedez-Benz Museum (http://www.mercedes-benz-classic.com/content/classic/mpc/mpc_classic_website/en/mpc_home/mbc/home/museum/overview_museum.html), em Stuttgart, Alemanha. A altíssima exigência do concurso fez a agência UNStudio ter em mãos a dificuldade de concluir entre 2003 e 2006 um projeto enorme que abrigaria uma exposição permanente - e tecnologicamente impressionante - da montadora. Os arquitetos chegaram a um resultado a partir do uso de diversos diagramas para compor a lógica de seus projetos, desde o conceitual da garrafa de Klein (veja em http://tinyurl.com/garrafaklein ), em que não existe lado de dentro ou lado de fora, até os que chegavam mais perto do esquema que o prédio tomaria. Chegaram, então, a modelos gráficos e tridimensionais, culminando no modelo-mãe, que agrupava a estrutura completa da obra e proporcionava que uma alteração qualquer feita já fosse alterada nos computadores dos outros funcionários, agilizando o processo. Também havia toda uma análise térmica e de circulação da área, ajudando os arquitetos a saberem onde posicionarem janelas, ar-condicionados e dutos.
Quem vai hoje ao museu tem a possibilidade de seguir os caminhos que quiser dentro da exposição, concebida para esse fim. “Esse projeto ainda não é tão conhecido, mas entrará para a história da arquitetura como os dos primeiros a explorarem a tecnologia tanto para a concepção, quanto para a concretização da obra”.
Agora com um mestrado na área da tecnologia da arquitetura, Silvio tem mais base para trabalhar junto e ensinar a seus alunos do curso de arquitetura e urbanismo, do Centro Universitário Senac a se prepararem para um cenário de arquitetura em que equipes multidisciplinares e multinacionais são reunidas para trabalharem em fabricação digital. “A ideia não é instrumentalizar os alunos, transformá-los em meros técnicos, mas ensiná-los a usar o modelo digital na produção arquitetônica, entendendo os softwares como geometria, não apenas como uma ferramenta”. Tudo isso inserido na ideia de Marshall McLuhan: “We become what we behold. We shape our tools and then our tools shape us” (“Nos tornamos o que contemplamos. Nós modelamos nossas ferramentas e nossas ferramentas nos modelam“), frase inicial do trabalho de Silvio.