São Paulo (AUN - USP) - Carros sempre foram um grande interesse de Claudio Habara, designer com estúdio próprio e formado em arquitetura pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU). Juntando o útil ao agradável, Claudio abordou em sua dissertação de mestrado algo que não ainda não havia sido especificamente estudado no país: O carro em cartaz: o automóvel no projeto gráfico de cartazes.
Pelo fato de o Brasil não ter uma forte cultura de pôster, Claudio dedicou sua pesquisa à linguagem de cartazes de automóveis estrangeiros produzidos na primeira metade do século 20. Curioso notar que “o cartaz como entendemos hoje (para ser colado na parede e com ilustrações coloridas) e o automóvel a combustão surgiram quase ao mesmo tempo, com um gap máximo de 20 anos”, diz ele.
O automóvel, insuficiente
Um dos exemplos, o cartaz da Panhard Levassor, um dos primeiros conhecidos do gênero, mostrava um cenário com pessoas ricas, claramente vendendo o carro não pelo produto em si, mas pelo status que traria ao dono por ser rico e capaz de se locomover com rapidez e de forma independente. Outros faziam referência ao cinema ou a símbolos mitológicos, “sempre dependendo de outra coisa para promover o automóvel, que não era ainda reconhecido até a Primeira Guerra Mundial”, explica Claudio. É nesta época que surge o Art Nouveau, estilo decorativo, influenciado pela gravura japonesa e pelo simbolismo, que fugia das formas mecânicas e geométricas em favor de desenhos naturais e orgânicos, como florais, figuras orgânicas e em muitas vezes, utilizando a mulher como tema principal.
Política e artisticamente simbólico
Durante o período entre guerras, a indústria automobilística coloca o carro como necessidade, passa a ser objeto de desejo da sociedade (inclusive com a estratégia da troca anual de modelos) e consegue se tornar em protagonista dos pôsteres. Mas não é apenas isso: o cartaz também passa a retratar cada vez mais as características da sociedade em que estava inserido, tanto políticas como artísticas.
Em pôsteres sobre as exposições de automóveis ou corridas, por exemplo, é possível observar como cada país europeu* externava os sentimentos nacionalistas, colocando seus carros na frente dos outros: o carro prata para a Alemanha (que fazia uma intensa propaganda nazista, exibindo ao fundo sua arquitetura, com seu carro sobre o globo terrestre e com a suástica no ar), o azul para a França e o vermelho para a Itália. Ironicamente, a Inglaterra, berço da Revolução Industrial, demorou décadas para deixar o costume equestre, não apenas por causa do hábito, mas por interesses daqueles que investiram em ferrovias – mas, quando, enfim, começou, construiu o primeiro autódromo do mundo, Brooklands, em 1908 (por não ser permitida corrida nas estradas) e produziu em 1910 o Rolls-Royce Silver Ghost, um dos melhores carros de seu tempo.
Artisticamente, o automóvel no cartaz acompanhou tendências das épocas. O estilo alemão, a exemplo dos designers Otto Baumberger e Alfred Hierl ou o estúdio Klokien, tinha um visual limpo e simples e cores chapadas, enquanto o italiano tinha uma abordagem mais dramática e imagens que utilizavam figuras com luzes e sombras. Um de seus designers, Plínio Codognato, apresentava cartazes mais figurativos, e era simpático ao movimento Novecento, que foi apoiado pelo governo fascista de Mussolini, que propagandeava inclusive os “meninos balilla”, as crianças recrutadas pelo partido junto como carro Fiat Balilla (www.tinyurl.com/fiatbalilla). O governo fascista, por sua vez não via a vanguarda futurista com bons olhos– “uma das vanguardas modernas que era rejeitada por ser composta de artistas com pensamentos revolucionários e, neste caso, influenciados pelos artistas russos".
Porém, pouco a pouco as características gráficas futuristas influenciavam os cartazes de outras pessoas. Na França, Robert Falcucci fez os pôsteres para as corridas em Mônaco, com clara influência da Art Déco, estilo decorativo que utilizava na composição as formas e linhas geométricas, simples e cores chapadas mesclados com gradientes e fontes geométricas sem serifas. O francês Geo Ham, principal designer de cartazes de carros do século 20, também era influenciado por essa vertente, mas tinha seu estilo único, misturando diferentes estilos (um exemplo em www.tinyurl.com/geoham).
O ponto de confluência desses e de muitos outros artistas da França, Alemanha e Itália era a Suíça, país neutro na Segunda Guerra Mundial. Lá, Max Huber era um dos designers do que se tornou o chamado Estilo Internacional, surgido como a continuação dos ensinamentos defendidos pela escola Bauhaus, que sistematizou o ensino do design gráfico e o difundiu para o mundo todo.
O automóvel, mais do que suficiente
A partir da década de 30, o carro estava tão inserido na sociedade a ponto de não apenas se vender independentemente (como esse, de 1933, www.tinyurl.com/simcafiat), mas também promover outros produtos, como volantes, macacos ou luvas. Antes, esses acessórios eram mais importantes que o carro, ao exibirem a imagem do produto ou a mascote da marca (o “Bibendum”, de pneus da Michelin). Mas, a partir de certo ponto, bastava apenas a figura do automóvel para se vender de lubrificantes a, mais recentemente, chocolates (com a propaganda do Roberto Carlos no Cadillac) ou pastas de dente. Além disso, nem mesmo a figura do carro passou a ser necessária. O designer Hans Rudi Erdt já havia mostrado apenas o nome Opel e um homem em um cartaz em 1911, mas depois isso se tornou cada vez mais comum, inclusive exibido no cartaz preferido de Claudio (veja em www.tinyurl.com/granprixhuber), para o Gran Premio de Monza de 1948, produzido por Max Huber .
Entre todos esses estilos e artistas, Claudio percebeu alguns tipos de representação e temáticas recorrentes. Podiam mostrar um deus sobre o chassi do carro, ou cavalos reclamando do carro, usavam o cavalo ou leão como símbolos de força, exibiam um brasão, (como o da Sicília), focavam num detalhe do automóvel ou o comparavam com o trem. Muitas vezes a velocidade, tema de 41 % deles, era usada para transmitir a emoção da corrida ou um ângulo que o espectador não veria do carro, mas era um chamativo. Em 1903, Montant havia sido o primeiro designer a criar efeitos de movimento com recursos gráficos, como os riscos atrás do veículo ou pedrinhas voando. Depois, usavam enquadramentos dramáticos ou distorciam o carro inclinando-o e deformando-o como efeito da velocidade.
A mulher também era um tema muito utilizado, tanto de um ponto de vista machista, como um em que “a mensagem era de que se você, homem, possuía um automóvel, você podia conseguir tal mulher bonita e era rico para contratar um chofer para te levar a qualquer lugar”, quanto de um ponto diametralmente oposto, como o cartaz de Jules Cheret, ainda de 1901 (aqui www.tinyurl.com/julescheret), em que a mulher, independente, aparece dirigindo e fumando – e havia ainda aqueles com a propaganda específica para o público feminino.
Outras temáticas eram abordadas: o progresso em relação ao dirigível, trem ou avião (como no cartaz Art Déco de Alexis Kow, de 1932 www.tinyurl.com/progressokow) ou em relação a outras pessoas, como um que mostrava a fábrica ao fundo, os operários andando de bicicleta e o dono do carro em primeiro plano. “A tipografia também era motivo de pôsteres, abrindo mão da representação natural das coisas e colocando o carro correndo sobre o texto, como no cartaz de Riccobaldi” (em www.tinyurl.com/fiatriccobaldi).
Claudio conclui seu estudo com o que conseguiu compreender: “Através da análise das linguagens pude estudar o que acontecia na época e o que os designers e artistas pensaram para fazer isso. O cartaz só existe dentro de um contexto, fundamental para entender qualquer coisa, na verdade”.
Para entender mais do tema e observar essas e muitas outras imagens do automóvel no cartaz, baixe a dissertação de Claudio Habara em http://www.estudio196.com.br/CH/1101_ch_mestrado_.pdf
* Os três principais países europeus nessa área têm suas peculiaridades: a França, origem de 45% dos pôsteres, detinha o maior número de fábricas de carros e oficinas de cartazes e as principais competições em circuitos. A Itália, com 20%, era sede da Fiat, maior indústria europeia, do mais moderno autódromo de então, das duas provas de rua mais importantes, além de receber aporte estatal para as propagandas. A Alemanha era o segundo país com maior número de fábricas de carro e, também com aporte estatal, ganhou todas as corridas dos anos 30, com carros tão modernos que só foram superados na década de 60.