São Paulo (AUN - USP) - Há décadas estamos acostumados a ler matérias e ouvir discursos que alertam sobre os perigos nutricionais que podem ser causados pela comida de restaurantes de fast food. Entretanto, o tema ganhou novo destaque quando foi identificada a presença do logo do Ministério da Saúde em campanha publicitária do McDonald’s, a maior rede de fast food do mundo.
O fato adquiriu notoriedade após a divulgação, no dia 30 de maio de 2011, de carta aberta dos docentes Carlos Augusto Monteiro, da Faculdade de Saúde Pública da USP (FSP), César Gomes Victora, da Universidade Federal de Pelotas (UFPel-RS) e Malaquias Batista Filho, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), destinada ao Ministro da Saúde, Alexandre Padilha. O principal pedido dos professores era que se executasse “a imediata desvinculação das marcas, programas e imagem do Ministério da Saúde do Brasil da marca, produtos e campanhas da empresa McDonald’s”, conforme escrito na carta.
Alegando que a campanha é nociva, principalmente a crianças e adolescentes, os professores repudiaram a participação do Ministério da Saúde. “A nosso ver, este envolvimento não se coaduna com o histórico do Ministério da Saúde na promoção da segurança alimentar e nutricional da população brasileira e com a elogiável prioridade que sua gestão tem consignado para a promoção da alimentação saudável e para o controle das doenças crônicas não transmissíveis”, escreveram.
A polêmica se refere, mais especificamente, ao uso de toalhas de bandeja que trazem, lado a lado, material educativo elaborado pelo MS e publicidade dos produtos do McDonald’s. O que existe, na verdade, é uma incoerência nutricional. Enquanto que na parte principal da folha há frases que ressaltam a importância da atividade física, da ingestão de água, do sono, da proteção contra a exposição excessiva ao sol e da alimentação saudável, o verso traz os valores nutricionais dos principais produtos da rede (sanduíches, batatas fritas, molhos, refrigerantes, saladas e sobremesas), alimentos com alto valor calórico. Ao mesmo tempo, há ainda na toalha descartável o símbolo e o slogan do McDonald’s junto ao website e ao Disque-Saúde do Ministério da saúde. Segundo os professores, isso constitui-se como uma referência de que a fonte das mensagens educativas é o Ministério, o que legitimaria e aumentaria a eficácia da campanha.
Sobre esse aspecto, os professores alegam que: “É ocioso notar que o objetivo dessa campanha da rede McDonald’s é associar o consumo dos produtos que ela comercializa a comportamentos saudáveis e a induzir o consumidor a pensar que esses produtos deveriam ou poderiam ser consumidos frequentemente (‘alimentos do dia a dia’) e a negar que eles pudessem ser menos saudáveis do que alimentos tradicionais da dieta brasileira”.
O consumo de uma oferta de um Big Mac (um sanduíche, uma porção de batata frita e um refrigerante de 500 ml) acompanhada de um sorvete com calda, por exemplo, fornece “dois terços do total de calorias que um adulto poderia consumir ao longo de todo o dia e praticamente todas as calorias diárias necessárias para uma criança.”, segundo os professores. Além disso, os alimentos oferecidos pela rede também possuem um alto índice de nutrientes que aumentam o risco de doenças cardiovasculares, diabetes e doenças crônicas graves. Um Big Tasty, por exemplo, carrega 63% da ingestão máxima diária de sódio e 109% do máximo de gorduras saturadas que um indivíduo poderia ingerir em um dia.
De acordo com os professores, a vinculação da marca do Ministério da Saúde aos produtos do McDonald’s vai contra toda a luta da população e dos profissionais da saúde contra a obesidade, a desnutrição e a alimentação não saudável.
Alexandre Padilha já assinou uma parceria com o McDonald’s no programa Amigos da Saúde, que visa à promoção e à orientação de ações e eventos educativos que ajudem a prevenção de doenças e a proteção da saúde. Parte dos acordos que esse programa estabelece entre as empresas e o governo determina que sejam reduzidos os níveis de sódio, gordura e açúcar de seus produtos.
O tema ganhou repercussão na mídia e nas redes sociais, gerando inúmeros comentários de apoio ao pedido e de insatisfação em relação à atitude do Ministério. Foi criada uma petição pública digital que pedia a desvinculação do McDonald’s do programa Amigos da Saúde.
O próprio ministro se viu obrigado a responder diretamente diversos comentários de usuários do twitter, como Renata Monteiro, da Frente pela Regulação da Publicidade de Alimentos, que escreveu: “Big Mac tem 40% do sódio que um adulto pode consumir por dia. Fazendo as contas, Alexandre Padilha, o McDonald’s é amigo da saúde?”. O ministro respondeu que foi estabelecido “um acordo com indústrias, supermercados, restaurantes e lanchonetes de redução do sódio, gordura e açúcar, discutido na Comissão do CNS [Conselho Nacional de Saúde] e monitorado pela Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária]”.
Como resposta formal à carta dos docentes, Padilha também escreveu, no começo de junho, uma carta oficial. Nela, agradeceu a preocupação dos professores, ressaltou as atitudes do Ministério com relação à promoção da saúde e alegou que “no estímulo às iniciativas no setor privado, não há autorização ao uso da logomarca do Ministério da Saúde, muito menos aval ou referendo aos seus produtos e/ou processos produtivos. Porém, as informações sobre promoção à saúde são acessíveis em nosso portal (www.saude.gov.br) e em nossas publicações institucionais, para repercussão por qualquer segmento público ou privado da sociedade”. Apesar de não ter permitido o uso da marca do Ministério da Saúde na campanha do McDonald’s, ele não o proibiu.
Coincidência ou não, as toalhas de bandeja do mês de junho das lanchonetes do McDonald’s em São Paulo deixaram de apresentar mensagens e a logomarca do Ministério. Agora, o que se observa na frente dessas folhas é um desenho e um jogo de caça-palavras, referentes ao filme Kung Fu Panda 2.