São Paulo (AUN - USP) - O projeto de mestrado de Adriana Akamine, da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP (FMVZ), tem por principal objetivo estabelecer correlação entre determinados comportamentos de cães e o modo como o sistema imunológico dos mesmos reage aos diversos patógenos existentes no ambiente. A idéia da pesquisa surgiu após uma iniciação científica e estágio de graduação que Adriana fez na Prefeitura de Roma, em um equivalente ao Centro de Controle de Zoonoses (CCZ). “Participei do grupo de pesquisa de Eugenia Natoli, que estuda comportamento de cães e gatos”. Lá existe o problema de animais soltos nas ruas e a eutanásia foi proibida, como no Brasil.
“Alguns animais possuem comportamentos com tendência de disseminar doenças”, afirma o professor Frederico Azevedo, orientador do mestrado. Segundo ele, os machos muito agressivos e dominantes tendem a brigar e copular mais, disseminando, portanto, mais doenças. “No ponto de vista da saúde pública seria importante conseguir identificar esse tipo de comportamento”. Um dos intuitos da pesquisa é saber se o animal que dissemina mais doença o faz não só por ter um comportamento mais promíscuo mas também porque o padrão de resposta imunológica que ele cria por conta desse comportamento o predispõe a ser um portador de doenças que não sofre muito com elas, ainda que as espalhe.
Outra intenção é entender como alterações do funcionamento de atividade do sistema nervoso refletem no comportamento dos animais, e como que isso modula a imunidade deles (suscetibilidade ou resistência às doenças). E também o inverso: como que doenças se refletem no sistema nervoso central. “Animais com muita testosterona, que é o caso desses machos dominantes têm provavelmente algumas alterações imunológicas importantes que o deixam ele mais ou menos resistente a certas doenças”, explica Azevedo.
Os experimentos
Pesquisas com animais de vida livre tem a “chance de dar um resultado mais interessante por se tratar de uma situação real”, explica Azevedo. Mas avaliar a imunidade associada ao sistema central é mais difícil porque esse tipo de amostra é heterogênea: as raças são muito diversas e misturadas e as idades e histórias de vida são muito distintas. Essas variáveis são muito importantes e poderiam influir nas pesquisas. Por isso, a opção escolhida foi trabalhar com cães beagles (padrão científico internacional) criados especialmente para experimentos. São filhotes que nunca tiveram contato com doenças.
Os animais são avaliados no lugar onde nascem, com suas mães, de forma que Adriana descreve o comportamento deles para tentar colocá-los dentro de padrões comportamentais. Ela observa a questão da dominância, de gostar ou não de contato humano, entre outros aspectos. “É uma análise complexa de aproximadamente 110 comportamentos separados em diversas categorias. Observo cada animal por cinco horas, em cada etapa do estudo. Filmamos os animais para não perder nenhum dado e utilizamos um software de análise chamado Observer”, conta Adriana. “É comum perder muitas horas porque alguém ficou fazendo barulho perto do canil ou alguma coisa acontece e assusta os animais.”
A etapa seguinte é a mudança de ambiente: os filhotes são desmamados, retirados de seu local de nascimento e levados para onde os outros testes acontecerão. Azevedo diz que essa mudança traz dois desafios para os bichos: o agudo, ou de curta duração, que é o transporte em si, e o segundo, quando os bichos chegam ao novo lugar onde são reorganizados em diferentes grupos, o que muda a estrutura hierárquica estabelecida anteriormente e tende ser importante para a imunidade deles. As observações continuam com filmagens e uso de software imediatamente após essa mudança e duas semanas depois, quando eles já reorganizaram por hierarquia. Em cada grupo, a posição de dominação é estabelecida muito cedo e se mantém estável por um longo tempo, a não ser que o macho principal tenha algum problema e perca a capacidade de manter a dominância.
“O que estamos percebendo é que animais que tem níveis hierárquicos diferentes sofrem de forma diferente com a imunização. Por exemplo, para o bicho que já era subordinado em seu ambiente inicial não faz diferença se ele continua subordinado em um novo grupo. Mas por outro lado, o bicho que era dominante e perde sua posição sofre um grande impacto”, afirma Azevedo.
Os cães também passam pelo desafio imunológico, para ver como respondem às vacinas, e fazem exames de sangue para obtenção de um hemograma bem detalhado, que além de contar as células de defesa dos animais (leucócitos, por exemplo), avalia como elas estão funcionando. Os níveis hormonais também são bastante importantes. A testosterona é importante tanto para machos quanto para fêmeas, para modular a imunidade, bem como o cortisol, hormônio do estresse. “Estudar comportamento é sempre muito complicado, porém prazeroso. Depende de vários fatores e muita coisa interfere no comportamento dos animais”, comenta Adriana.
Resultados esperados
O que se espera em última instância, é a avaliação dos dados obtidos. O comum é fazer estatísticas por agrupamentos de animais, comparando médias. Mas nesse caso específico, não é possível trabalhar assim porque essa pesquisa se baseia em indivíduos, não em grupos. Assim, serão observados quais comportamentos caninos estão relacionados com quais parâmetros de imunidade. "Já observamos que existe diferença entre animais dominantes e subordinados em alguns parâmetros. As próximas etapas serão determinantes para explicamos este e outros resultados", diz Adriana.
Costuma-se pensar que animais dominantes são os melhores em tudo. Mas já se mostrou que não é verdade, porque existe um custo muito alto em ser dominante. Ao contrário do subordinado, que pode desfrutar de momentos tranquilos, o dominante tem que manter sua posição perante os outros. E isso tem um custo muito grande: ele precisa de uma massa muscular maior e deve possuir maiores níveis de testosterona – já que deve copular com mais fêmeas.
Adriana completa dizendo que na prática, “dependendo dos resultados que alcançarmos, poderemos estabelecer métodos menos invasivos para planejamento sanitário de cães de canis ou até, quem sabe, estabelecer um parâmetro para a escolha de um indivíduo mais preparado para os desafios ambientais que o mesmo enfrentará”.