São Paulo (AUN - USP) - A TV no armário, livro do jornalista e pesquisador Irineu Ramos, foi o ponto de partida para uma discussão promovida pela Biblioteca Dante Moreira Leite do Instituto de Psicologia da USP. Cogitado para uma indicação no Prêmio Jabuti 2011 na categoria “Arquitetura e Urbanismo, Fotografia, Comunicações e Artes”, a obra é fruto de uma pesquisa que observou reportagens veiculadas em canais abertos brasileiros cinco dias antes e dois dias depois da Parada do Orgulho Gay em 2007, que tinha por objetivo analisar como o tema era abordado. De todos os programas observados, apenas o Profissão Repórter (quando este ainda era um quadro do Fantástico) deu voz aos homossexuais. Os outros programas produziram matérias que destacavam fenômenos secundários à Parada (como a movimentação da economia e do turismo), ao invés de enfatizarem o preconceito que motivou o surgimento dessa manifestação. Além de comentar sobre o livro, Ramos também exibiu diferentes reportagens para ilustrar as formas que a homofobia assume nos canais de televisão abertos.
O debate gratuito, que contou com a presença de alunos e professores de diversas unidades da USP, faz parte de um ciclo de palestras que pretende promover o diálogo acerca da diversidade sexual ao longo deste semestre. O autor começou o debate explicando conceitos relacionados à heteronormatividade. O termo surgiu nos anos 1990 para designar a tendência da mentalidade hegemônica de atribuir papéis restritos para as pessoas de acordo com o gênero ao qual pertencem. A heteronormatividade contribui para que as pessoas possuam visões pré-estabelecidas sobre identidade sexual (com que gênero a pessoa se identifica) e orientação sexual (por quem a pessoa se sente atraída).
O jornalista discorreu acerca do panorama histórico da diversidade sexual, afirmando que a homossexualidade (até então chamada de Sodoma) era vinculada ao pecado até o final do século 19, quando, com a proliferação de teorias sociológicas e psicológicas, passou a ser entendida como patologia. Essa concepção de homossexualidade perdurou até muito recentemente na cultura ocidental de modo geral. Atualmente, no Brasil, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) deixou de considerar a homossexualidade um desvio sexual e, desde 1999, estabelece regras de atuação para psicólogos em relação às questões de orientação sexual, afirmando que “a homossexualidade não constitui doença, nem distúrbio e nem perversão”. O CFP também declara que os psicólogos não devem colaborar com serviços que propõem tratar ou curar a homossexualidade.
A plateia trouxe questões atuais para o debate, como a polêmica em torno do Kit Anti-homofobia para o Ensino Médio, o repentino aparecimento de personagens gays em novelas populares e o projeto de lei PLC 122/2006 (que visa criminalizar a homofobia, como parte da Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal).
Na opinião de Ramos, a USP ainda precisa avançar muito em seus estudos de gênero. Ele compara a sua atual produção acadêmica com a atenção que a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRSG) dispensa ao tema, afirmando que, para ele, muitos paradigmas precisam ainda ser questionados para que o assunto seja mais bem abordado. Essa proposta de mudança na USP de Ramos faz parte de sua crença de que a educação seria um possível antídoto contra a homofobia. O jornalista diz nunca ter sido militante da causa gay, pois afirma que a militância limitaria sua atuação ao invés de favorecê-la. “Em 1988, eu fui filiado ao PT, fui militante naquela ocasião, mas aí eu percebi que eu ajudava muito mais fora do que dentro [do partido político]”. Para justificar a relevância de sua pesquisa, opina: “Os jornalistas têm um papel fundamental na história e nós, jornalistas, podemos mudar as coisas, mas precisamos acreditar nisso e ter espaço [na mídia] para realizar essa mudança”.
Outros debates do ciclo de palestras “Diversidade Sexual” organizados pela Biblioteca Dante Moreira Leite estão previstos para o segundo semestre. Os organizadores ressaltam que os dias ou os palestrantes podem ser alterados. Todos estão previstos para as 14h, sempre na sala 20 do bloco B (Auditório Aurora Furtado).
22 de setembro: Sexualidades LGBT (com Laura Bacellar)
18 de outubro: A pedagogização das diferenças sexuais: o cinema como dispositivo educativo (com Fernando de Oliveira Saraiva)
10 de novembro: Orientação sexual e identidade de gênero: desnaturalizando conceitos, desconstruindo preconceitos (com Valéria Melki Busin)