São Paulo (AUN - USP) - Patrícia Porchat, psicanalista com doutorado em psicologia clínica pelo Instituto de Psicologia (IP) da USP e professora da Universidade Paulista (Unip), ministrou uma palestra sobre transexualidade para estudantes do IP como parte da Semana de Psicologia 2011. Patrícia buscou orientar seu discurso entorno da maneira como a transexualidade é tratada por profissionais da saúde. Um dos problemas que os psicólogos enfrentam quando lidam com essa questão é a obrigatoriedade de, no mínimo, dois anos de psicoterapia para os interessados na cirurgia de mudança de sexo. Por um lado, ela oferece apoio ao indivíduo, para que ele posa lidar com suas inseguranças e com a transformação em sua identidade que a cirurgia pode causar. Por outro, o fato de a terapia ser obrigatória muitas vezes impede a formação de um vínculo verdadeiro entre terapeuta e paciente, pois este não procurou a terapia por necessidade, e sim por imposição do protocolo. A psicanalista defende que os psicólogos deveriam ser mais bem preparados em sua formação para lidarem com a diversidade sexual.
Ainda considerada uma patologia pelo DSM-IV (sigla em inglês para a quarta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), a transexualidade se insere no conceito de “gênero ininteligíveis”, formulado por Judith Butler, filósofa pós-estruturalista citada pela psicanalista. O conceito foi criado para explicar o fenômeno da dificuldade de aceitação de uma pessoa quando não há a coerência esperada entre sexo (componentes biológicos e anatômicos do sujeito) e gênero (componentes psicológicos, sociais, biológicos e históricos que estão associados à feminilidade e à masculinidade). Existem diversas identidades sexuais que podem ser vítimas desse preconceito por pertencerem a um gênero ininteligível: desde cross-dressers (pessoas que se apresentam socialmente como uma pessoa do sexo oposto, apesar de manterem a genitália de seu sexo de nascença, como é o caso do cartunista brasileiro Laerte) até intersexos (sujeitos com o sexo biológico indefinido, seja por terem pênis pequeno ou clitóris grande ou por apresentarem alguma anomalia cromossômica).
O DSM-V está previsto para ser lançado em 2013. Há um movimento de profissionais da saúde e transexuais para que a transexualidade deixe de ser considerada uma patologia na próxima edição do manual. Um grande dilema que essa mudança traria para os transexuais no Brasil é a questão da cobertura da cirurgia de mudança de sexo pelo SUS, que é oferecida desde 1998 (então como cirurgia de caráter experimental). Apesar de as filas de espera serem muito grandes e a pessoa interessada na cirurgia ter que passar por um protocolo que envolve diversas etapas (como entrevista para excluir o diagnóstico de psicose e exames endocrinológicos), ela é oferecida, por exemplo, pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. A despatologização da doença poderia prejudicar o direito de as pessoas fazerem a cirurgia pelo SUS. A comissão Sexualidade e Gênero do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo (CRP-06), da qual Patrícia é colaboradora, sugere que a saúde pode ser definida como bem-estar biopsicossocial, e não apenas como o oposto de doença. Assim, mesmo que a transexualidade deixe de ser considerada um distúrbio de identidade de gênero, as pessoas continuariam a ter esse direito, por ele estar vinculado ao seu bem-estar (o que está de acordo com o princípio de integralidade do SUS). Para ela, a ética profissional não avançará enquanto ela ainda for considerada um transtorno.
A professora ainda comentou que há muito mais avanço tecnológico em pesquisas para o aperfeiçoamento da cirurgia de mudança de sexo para homens, ou seja, muito ainda se deve fazer em relação à cirurgia para mulheres que desejam se transformar em homens, de modo a alcançar a igualdade de gêneros. Além de relacionar o assunto com o feminismo, a palestrante debateu com membros da platéia sobre questões atuais como o Kit Anti-homofobia, que, na opinião de Patrícia, deveria ser trabalhado no ensino médio como forma de combate à intolerância.