São Paulo (AUN - USP) - Uma resolução da Secretaria de Meio Ambiente do estado de São Paulo institui um prazo de 60 dias, a contar do dia 2 de agosto, para que as empresas apresentem um plano de destinação e tratamento de seus produtos com significativo impacto ambiental. O tema foi abordado no seminário sobre resíduos de equipamentos elétricos e eletrônicos, promovido pela Faculdade de Saúde Pública da USP (FSP-USP) na última terça-feira, dia 23.
A ideia, segundo Flavio de Miranda Ribeiro, assessor técnico da Secretaria, é que se tenham já soluções que promovam mudanças no curto prazo. O texto da resolução não contempla todas as empresas, mas já abrange 13 diferentes setores, desde fabricantes de lâmpadas com mercúrio, a baterias automotivas e produtos de limpeza. "Resolvemos priorizar, num primeiro momento, setores com maior periculosidade e volume", explica Flávio. No caso de garrafas PET, por exemplo, o alto número delas justifica a existência de um programa específico, mesmo que não contenha substâncias tóxicas como os demais produtos.
O seminário discutiu a necessidade de as empresas terem formas de recuperação ou tratamento de seus produtos após eles já terem sido consumidos - num procedimento chamado de "logística reversa". Os eletroeletrônicos foram destacados, em função de seu alto impacto ambiental e potencial tóxico. Pesquisadores da área de saúde ambiental, técnicos da Secretaria de Meio Ambiente, especialistas em legislação e diversos outros profissionais estiveram no evento.
"Circulação Extracorpórea"
Apesar da gravidade e da importância do tratamento de resíduos tóxicos, a legislação brasileira só começou a dar destaque a essa situação nos últimos anos. A lei federal que trata do assunto foi promulgada em agosto do ano passado, após longa tramitação, instituindo assim uma Política Nacional de Resíduos Sólidos pela primeira vez. A noção de que devemos nos preocupar com o destino dos produtos também após o seu uso - a nossa "circulação extracorpórea", para usar um termo do professor Advíncula Reis, um dos palestrantes do evento - vem tomando força nos últimos anos, em função do maior acesso da população à informação, renda, e produtos eletroeletrônicos. O crescimento do uso de celulares, notebooks, microcomputadores, e outros muitos aparelhos, pede uma nova postura do poder público, do setor privado e da população no geral.
"No direito romano, o conceito jurídico de 'lixo' era mais simples, apenas algo a ser abandonado. A realidade hoje mudou", explica a professora Patricia Faga Lemos, da Faculdade de Direito da USP. A legislação não acompanhou essas mudanças, apesar de a legislação brasileira já ter servido de modelo internacional no tema meio ambiente, como destacou Angela Cássia Rodrigues, doutoranda da FSP-USP e uma das palestrantes do evento. Segundo a doutoranda, a legislação na Comunidade Europeia é bem avançada e atribui responsabilidades pelos danos causados nesses resíduos. "Aqui no Brasil, as empresas tentam passar a responsabilidade para o poder público, que tenta repassar as responsabilidades para as demais esferas de governo", ressalta Angela. Ela ainda explica que a legislação federal é muito ampla e não contempla as diferentes realidades, e que é preciso estabelecer metas e prazos, através de regulamentações específicas e acordos feitos com cada setor da indústria.
A importância da logística reversa
O destaque aos chamados "REEE" - Resíduos de Equipamentos Elétricos e Eletrônicos - deve-se a alguns fatores técnicos, como composição dos diversos aparelhos, com muitos diferentes materiais, o que causa dificuldades no seu reprocessamento ou reaproveitamento. Os REEE são uma gama muito grande de produtos, incluindo não só os eletrônicos da era da informática (Ipads, notebooks, computadores), como também brinquedos, maquinário médico, geladeiras e lâmpadas, entre outros. E em um único aparelho individualmente, a variedade de materiais causa dificuldades para que sejam reutilizados pela indústria.
Talvez mais importante que isso seja o uso de substâncias tóxicas ou com potencial tóxico que podem contaminar o solo, a água ou o ar. Um exemplo é o uso de metais pesados, como chumbo, cádmio e o mercúrio, com diversos efeitos à saúde de quem se expõe a eles. A relativa baixa concentração dessas substâncias em cada aparelho também cria dificuldades técnicas na hora do seu tratamento, pois ela retorna ao ambiente de forma difusa, "espalhada".
Mas as soluções para o problema dos resíduos eletrônicos não passa só pelo "pós-consumo", ou seja, o tratamento ou reaproveitamento que é realizado depois que o objeto é descartado. Flavio de Miranda Ribeiro sugere que as empresas podem realizar pesquisas e implementações para que os seus produtos tenham um design mais "ecológico". Esse design já diminuiria o impacto do produto no meio ambiente, na sua destinação final, facilitando de antemão o seu aproveitamento posterior. "Há poucas pesquisas na área, no entanto, tanto no mundo corporativo como no acadêmico", lamenta.
O baixo ciclo de vida dos produtos elétricos e eletrônicos também é um fator agravante. Como o desenvolvimento, principalmente no setor de aparelhos de informática, é muito rápido (e o desejo pelo novidade também), os aparelhos se tornam obsoletos mais rapidamente, e isso tem impacto direto no meio ambiente e na saúde da população, através dos descartes feitos de uma forma inadequada.
No seminário, também foi destacada a necessidade de se alterar a mentalidade da população, no que se refere aos seus hábitos de consumo. No caso dos produtos eletrônicos, essa necessidade é premente: com o crescimento econômico e o aumento da renda das famílias, mais e mais pessoas compram televisores, eletrodomésticos, computadores e celulares. O caso dos celulares é bastante ilustrativo: a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) divulgou que, no ano passado, o Brasil fechou o ano com mais de 200 milhões de aparelhos celulares, sendo que a população brasileira, segundo o Censo do IBGE, é de 190 milhões de habitantes. Ou seja: mais de um aparelho por habitante no Brasil. Patrícia Faga Lemos ressaltou a "dependência emocional e patológica" que se tem do consumo, e a necessidade de ver a compra desses produtos como um "ato social", com impactos que vão além do consumo direto (a tal "circulação extracorpórea" que se deixa, como um rastro).
O professor Paulo Roberto Leite, da Universidade Mackenzie e presidente da CRLB (Conselho de Logística Reversa no Brasil), no entanto, ponderou: "Tenho uma visão menos romântica e mais pragmática do consumo. É ele que permite manter os níveis de empregabilidade". Mas ele ressalta também a necessidade de se consumir com responsabilidade, escolhendo empresas que tenham políticas ambientais e de logística reversa. Flavio de Miranda Ribeiro, da Secretaria de Meio Ambiente, já vê uma necessidade de rever esses valores de consumo. "É preciso ver a importância de 'ser', e não de 'ter'. A crise ambiental pode provocar essa mudança de valores", declarou, com otimismo.
O assunto é amplo e abrangente, e exige a participação de profissionais das mais diversas áreas, como destacou o professor Alberto Olavo Advíncula Reis, vice-presidente da Comissão de Cultura e Extensão da FSP-USP. "Temos diversos profissionais tratando do tema aqui na Faculdade, desde sociólogos, advogados, antropólogos, e até mesmo médicos", brinca o professor. O evento teve a participação de Wanda Günther, professora da FSP-USP e com grande atuação na área de saúde ambiental e de resíduos sólidos, da professora Patricia Faga Lemos, professora da Faculdade de Direito da USP, de membros da Secretaria Estadual do Meio Ambiente e diversos profissionais.