ISSN 2359-5191

01/09/2011 - Ano: 44 - Edição Nº: 79 - Sociedade - Faculdade de Direito
Professores apontam cultura punitiva como responsável pelo superencarceramento no Brasil

São Paulo (AUN - USP) - A situação do cárcere no Brasil é alarmante. Há 17 anos atrás, quando foi realizado o primeiro censo penitenciário, foram contabilizados 129.169 brasileiros encarcerados. Realizada novamente em dezembro de 2010, a contagem revelou que o número de encarcerados subiu para 500.000, uma média de 261 presos por cem mil habitantes. Este resultado representa um aumento de mais de 290%, número que impressiona ainda mais se comparado ao crescimento de 21% da população brasileira entre 1994 e 2009, segundo dados do IBGE.

Quando se analisa o aumento exarcebado da população carcerária nos últimos anos, é inevitável que se pergunte qual seria o motor de tal movimento. Para Sérgio Salomão Sheicara, professor da Faculdade de Direito da USP, o que produz esse fenômeno é uma “verdadeira ideologia punitiva”, que gera políticas violentas, eugenistas e de ataque às classes sociais de renda mais baixa. Portanto, ele considera fundamental se repensar a punição no Brasil, já que “não haverá diminuição da criminilidade sem o fim do abismo social que separa a sociedade. Ainda somos um país injusto e é a contemplação da riqueza pela pobreza que cria a principal matriz da criminalidade”.

Para explicar seu ponto de vista, o professor recorre a dois grandes autores. Assim como Jesus María Silva Sanchez, um dos maiores autores de direito penal contemporâneo, muitos outros apontam o Neoliberalismo como o grande produtor do superencarceramento, fenômeno verificado em escala quase mundial. Para o estudioso espanhol, a sociedade atual acentuou sua complexidade, o que teria, como consequência, produzido novos tipos de criminalidade passíveis de punição. O advento de crimes como os ambientais e econômicos teria expandido os limites do direito penal e, assim, piorado a situação carcerária.

Entretanto, Sheicara aponta que esse tipo de criminalidade, pelo tipo de pena aplicada, não produz encarceramento. Ele reforça sua posição ao citar o sociólogo polonês Zygmunt Bauman, para o qual a prisão é um local de consumidores falhos, onde se guarda o lixo humano de uma sociedade deliberadamente excludente e não inclusiva. É dessa forma que o professor enxerga as penitenciárias do século XX, que não possuem infraestrutura para que os presos exerçam atividades laborativas que lhes permitam retornar a um emprego.

Portanto, mandar um criminoso para a cadeia, sem que seja em último recurso, é apenas uma maneira de acentuar as diferenças sociais e aprisionar os considerados “inimigos”. Para Sheicara, uma política criminal baseada em propostas que acentuam as desigualdades é flagrantemente inconstitucional: substituir políticas sociais por políticas de encarceramento não deveria ser a função do Estado.

Carlos Eduardo Adriano Japiassú, doutor em Direito pela UERJ e conselheiro titular do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), compartilha da posição de Sheicara: não considera o fenômeno contemporâneo de expansão do direito penal como o responsável pelo superencarceramento e enfatiza que “não há uma relação automática com mais ou menos crime, e sim com a opção de encarcerar”. Ele também ressalta que, ao contrário do que pode parecer, esse processo mundial de aumento dos níveis de encarceramento “não é homogêneo, não decorre da globalização, não é natural ou inevitável”. Para exemplificar, mostra dados estatísticos que comprovam que o fenômeno se dá com maior intensidade no ocidente e principalmente em países latino-americanos.

Para o especialista, propor soluções para o sistema penitenciário seria muito otimismo. A situação não deverá apresentar melhoras se o modelo brasileiro de execução penal continuar do jeito que está, “um fracasso”, devido ao alto grau de fragmentação. Carlos Eduardo acredita que falta poder de execução, “é muito relatório e pouca ação”.

Ainda assim, além de apontar maneiras banais para se combater a situação, como a construção de novos estabelecimentos e melhorias de suas condições, Carlos Eduardo destaca a necessidade de uma boa capacitação dos funcionários que trabalham nas penitenciárias. Ele acredita que funcionários de qualidade são determinantes para o clima carcerário e para as relações internas; por isso, se faz imprescindível uma formação continuada, já que, em sua opinião, as escolas penitenciárias são insuficientes.

Para exemplificar, cita o caso da Noruega, país no qual o principal princípio do sistema penitenciário é a reabilitação – e não a punição – e onde se acostuma ter uma relação funcionário/preso 1:1, ou seja, 1 funcionário para 1 preso. Essa situação é muito diferente da que se vê no Brasil, onde a média das penitenciárias federais é 150 presos para 250 funcionários.

Os dois pesquisadores defenderam suas posições em palestra realizada durante a Semana do Cárcere, organizada pelo Centro Acadêmico XI. Durante os dias 22 e 26 de agosto, professores e especialistas em Direito Penal, Criminologia e Políticas Carcerárias se reuniram em diversos debates, que tiveram como finalidade a exposição e discussão do cárcere no Brasil, um problema sério que perturba a sociedade.

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