ISSN 2359-5191

28/09/2011 - Ano: 44 - Edição Nº: 91 - Saúde - Instituto de Biociências
A importância de tomar remédios da hora certa

São Paulo (AUN - USP) - A importância de se tomar remédios no horário correto vai muito além de ser simplesmente “para não esquecer de tomar depois”. Estudos da cronofarmacologia, área da biologia que estuda os ciclos que se repetem nos seres vivos em relação ao tempo e o trajeto de fármacos no interior do organismo, mostram que o horário em que um remédio é ingerido pode aumentar sua eficácia no combate à doença ou provocar efeitos colaterais e até mesmo levar à morte.

Os ritmos biológicos dos seres vivos foram desenvolvidos através da adaptação. Como o planeta possui ciclos geofísicos (dia e noite, estações do ano, ciclos lunares e marés), os seres vivos precisam prever as mudanças temporais e ambientais para sobreviver a elas. Assim, essa ritmicidade foi incorporada através da evolução. “Em nosso cotidiano, chamamos os controles desses ritmos biológicos, principalmente nos mamíferos, de relógios biológicos”, explica o professor Roberto DeLucia, do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, em palestra durante a Semana Temática do Instituto de Biociências (IB).

Muitos aspectos de nossa vida estão ligados a estes relógios biológicos. Executivos que viajam muito, por exemplo, não costumam fazer reuniões importantes no dia em que chegam. “Isso ocorre porque a mudança ocasionada pelo fuso horário é muito grande e pode atrapalhar decisões importantes do ponto de vista dos negócios”, diz DeLucia.

O tratamento da depressão também envolve os ritmos biológicos, pois através da sincronização do sono é possível provocar melhoras na variação de humor do paciente. Por esta razão, no ano passado, a indústria farmacêutica desenvolveu um medicamento à base de uma substância chamada agomelatina, derivado sintético da melatonina, que é produzida pelos seres humanos para fins de regulação dos ciclos diários. “Mas ainda é muito cedo para dizer se esta droga vai ficar no mercado farmacêutico, se ela realmente é eficaz”, alerta o professor.

O caminho do remédio dentro do organismo
O primeiro passo é a administração do fármaco, que se dá no momento em que o ingerimos ou aplicamos. A administração pode ser por via oral, intramuscular, subcutânea ou intravenosa. Nos primeiros três casos a substância passa por um processo de absorção e só então chega à corrente sanguínea (concentrando-se no plasma sanguíneo). Quando a aplicação é intravenosa, o fármaco chega diretamente à circulação.

A partir daí, o fármaco vai se distribuir por todos os tecidos do organismo e, ao mesmo tempo, parte dele que se encontra no plasma sofre um processo de biotransformação, no qual enzimas o modificam em metabólitos inativos. Isso facilita a excreção, ou seja, a saída do remédio do organismo.

Enquanto isso, parte do fármaco chega ao sítio de ação, local onde ele vai exercer sua ação e provocar um efeito farmacológico, que se traduz em uma resposta clínica, como o alívio de dores ou a cura de uma doença.

A partir do momento em que o fármaco entra na circulação sistêmica, ele se apresenta como uma concentração plasmática. “Se houver uma concentração plasmática muito pequena, ela não vai ser suficiente, quando atingir o sítio de ação, para provocar o efeito farmacológico. O fármaco tem que ter uma boa biodisponibilidade para provocar seus efeitos e, consequentemente, ter sucesso terapêutico”, explica DeLucia.

A cronofarmacocinética é o campo da cronofarmacologia que estuda a biodisponibilidade dos fármacos, ou seja, alterações rítmicas na biodisponibilidade, metabolismo ou excreção de um fármaco. De maneira geral, sabe-se que a concentração do fármaco no plasma atinge seu ponto máximo por volta de uma hora após a ingestão e tende a diminuir a partir de então. Mas os estudos cronofarmacocinéticos mostram que o tempo interfere e modifica esse conceito.

O ácido acetilsalicílico (componente da aspirina), por exemplo, se ingerido quatro vezes durante um mesmo dia (6h, 10h, 18h e 22h) na mesma quantidade, terá sua concentração máxima perto das 6h. Isso significa que a absorção do ácido acetilsalicílico é maior pela manhã.

Já a cronestesia estuda alterações na sensibilidade do organismo ao fármaco ingerido. Através dela foi possível descobrir que anestesias locais, como a xilocaína, produzem efeitos mais duradouros se aplicadas por volta das 15h, pois o organismo está mais sensível a esse tipo de fármaco. “Do ponto de vista prático, é interessante marcar a consulta no dentista à tarde porque, além do efeito prolongado do anestésico, o limiar da dor é maior a tarde do que no período da manhã e da noite. É uma variação rítmica da dor. Ou seja, mesmo sem anestésico nós somos menos sensíveis à dor durante a tarde”, conta o professor.

Para DeLucia, esse campo do conhecimento ainda não tem sido difundido de maneira apropriada: “A terapêutica tradicional, de 20, 30 anos atrás, antes da cronofarmacologia, não tinha preocupação com as variações rítmicas das doenças e das substâncias no nosso organismo. Até hoje há uma resistência, porque ela ainda não é ensinada nas escolas médicas”, lamenta.

Aplicação no tratamento de doenças
Com base nesses conhecimentos, desenvolve-se a cronoterapêutica, que analisa os padrões rítmicos e de absorção dos fármacos com o objetivo de determinar o melhor horário biológico para sua administração, buscando melhorar a eficácia e reduzir os efeitos colaterais.

Por meio do estudo dos ritmos biológicos tornou-se possível identificar os horários de pico de algumas doenças, ou seja, o momento do dia em que é mais comum que ela apareça. O mesmo foi feito com a produção de substâncias pelo organismo. A partir do cruzamento desses dados, a cronoterapêutica determina as doses e os horários em que o paciente deve ingerir o remédio do qual necessita.

Uma enfermidade já estudada pela cronoterapêutica é a úlcera. O horário de pico de sua incidência ocorre por volta das 3h e a produção de secreção gástrica ácida (causadora da úlcera) tem seu momento de maior produção a partir das 23h. Por esta razão, a maior dose do medicamento que combate a úlcera deve ser ingerida por volta das 22h, justamente para aliviar os efeitos da secreção gástrica e prevenir os ataques de úlcera com maior eficácia. “É claro que a pessoa pode ter um ataque de úlcera em outros horários, mas como ele não é tão intenso, o médico pode prescrever durante o dia uma dose do medicamento menor do que aquela administrada durante a noite”, explica DeLucia.

Outro exemplo de grande importância é o tratamento da hipertensão. Tanto em pessoas de pressão normal quanto nos hipertensos, observa-se que a pressão sanguínea tende a ter valores mais baixos a partir da meia-noite e começa a aumentar às 6h. Em sincronia com a pressão arterial estão a frequência dos batimentos cardíacos e a quantidade de adrenalina no plasma sanguíneo, que também começam a aumentar a partir do mesmo horário. Tais fatores levam a uma grande incidência de infarto do miocárdio, morte cardíaca súbita e acidente vascular cerebral em períodos próximos às seis da manhã.

Quando o hipertenso realiza seu tratamento por meio da ingestão de cápsulas, verifica-se uma alternância de picos e baixas das concentrações do fármaco no plasma. Logo após o momento em que a pessoa toma o remédio há um pico na concentração, depois ela cai vertiginosamente e volta para o pico com a ingestão da próxima cápsula. O problema desse tipo de medicação é que enquanto a concentração está muito baixa, o fármaco pode não estar em condições de realizar seu efeito, e quando está muito elevada, ele pode provocar efeitos colaterais.

A fim de resolver este problema, a indústria farmacêutica desenvolveu um sistema de liberação de fármacos denominado Codas (em português, Sistema Cronoterapêutico de Administração Oral de Drogas). Esse sistema, que é implantado do interior de um comprimido comum, apresenta várias camadas, algumas solúveis e algumas insolúveis em água. O fármaco fica no centro e à medida em que a água penetra nesse sistema, por meio de pequenas “canaletas”, as camadas vão se alterando e acabam liberando o medicamento. Esse sistema procura controlar a liberação, que é programada para num determinado horário atingir uma concentração plasmática que seja eficaz para tratar a patologia.

Assim, quando o hipertenso ingere o fármaco para hipertensão no sistema Codas, não há aquela variação constante da concentração plasmática. O sistema de liberação é programado para liberar uma maior quantidade do fármaco no momento de risco máximo da doença, que ocorre entre as 6h e as 8h, de modo que a pessoa fica mais protegida. “Essas fórmulas farmacêuticas são importantes porque são confortáveis e práticas para o paciente. Ele não precisa acordar às 6h para tomar o medicamento, ele toma à noite e o fármaco começa a funcionar no horário em que ele mais precisa da proteção”, comenta DeLucia.

Além disso, a pressão arterial já diminui naturalmente por volta da meia noite. Quando o paciente é instruído a tomar um medicamento comum, sem o sistema de liberação como o Codas, antes de dormir, ele acentua essa queda de pressão durante a madrugada, podendo ser levado a óbito em virtude disso.

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