São Paulo (AUN - USP) - Com a aproximação da Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, da qual o Brasil será anfitrião para comemorar duas décadas do emblemático encontro da ECO 92, o Instituto de Relações internacionais da USP (IRI), em parceria com a Fundação Charles Leopold Mayer pour Le Progrès de l’Homme (FPH), realizou o seminário “Rio+20: ética e responsabilidade por uma nova governança”, na última segunda-feira (19).
O evento foi organizado em duas sessões. A primeira com uma mesa composta por Pierre Calame, presidente da Fundação Charles Leopold Mayer (FPH), Rubens Born, coordenador executivo adjunto do Vitae Civilis, Edith Sizoo, coordenadora mundial do Programa Internacional de Ética e Responsabilidades, Deise Benedito, representante da chefe de gabinete da Secretaria dos Direitos Humanos do Governo Federal e mediada pelo professor do IRI, Pedro Dallari. A segunda parte contava com a presença de Michel Rocard, ex-primeiro ministro da França durante o governo de François Miterrand e atual co-presidente do Collegium International. Ambas visavam à discussão a respeito dos novos obstáculos para se colocar na pauta mundial a responsabilidade social e econômica, a partir de novos parâmetros de governança.
Para a professora Maria Hermínia Tavares, diretora do IRI, é de extrema importância a participação da Universidade de São Paulo no debate a respeito de uma nova agenda socioambiental e de novos paradigmas que serão discutidos na Rio+20, por ser um setor representativo da sociedade civil. O enfoque da primeira discussão girou predominantemente a respeito do conceito de “responsabilidade”, fator indispensável para se pensar em uma “nova governança”.
Edith Sizoo, coordenadora mundial do Programa Internacional de Ética e Responsabilidades, do Fórum de Ética e Responsabilidades (FER), declarou que a sociedade necessita de mais um pilar além dos dois que já são vigentes internacionalmente – a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Carta das Nações Unidas. Uma terceira, a Carta de Responsabilidades Humanas fala sobre a necessidade de as nações aceitarem a responsabilidade por atos que influenciam nas vidas das futuras gerações. Edith afirma que todos são co-responsáveis e que as nações estão interligadas. Por isso, se faz necessária a redação de uma declaração, engajando todos os setores da sociedade civil, a fim de elencar os compromissos das nações entre si. “Vivemos em um momento de acúmulo de crises – ambiental, social, financeira e de segurança. Os governos, religiões, mundo empresarial e nem mesmo a sociedade civil podem oferecer soluções sozinhos”, afirma Edith. O conceito de responsabilidade, segundo ela, é universal e vai além da ideia do “direito”, pois além do compromisso entre as nações, fica estabelecida a prestação de contas para o mundo. “Sempre há alguém responsável”.
A coordenadora do FER ressalta ainda que para a Rio+20, as ONGS e Fóruns Sociais precisam deixar de “tentar convencer os que já estão convencidos”. “É preciso fazer soar o alarme. Os protestos são muito importantes, mas têm pouca influência política”.
Sobre a universalidade do conceito de responsabilidade, mencionada por Edith, Deise Benedito, representante da Secretaria dos Direitos Humanos do Governo Federal, concorda e afirma que é preciso respeitar as especificidades culturais de cada nação, no momento de redação da carta. “Respeitar formas de ver o outro também é um direito humano”, afirmou Deise. Ela ressalta que o governo de Dilma Rousseff é especialmente sensível a temática, devido ao passado militante da presidente e que o Brasil carrega uma expectativa no cenário internacional, especialmente depois da ECO 92.
Michel Rocard
O palestrante mais aguardado do dia, Michel Rocard, 81, ex-primeiro-ministro da França (1988-1991), iniciou a segunda parte do seminário do IRI. O professor Pedro Dallari afirma que o político francês foi convidado a participar do evento , pois traz uma “reflexão intensa sobre a necessidade de mudança de paradigmas”. O senador Eduardo Suplicy também esteve presente para ouvir a fala do ex-ministro.
A partir de um rico panorama histórico sobre a governança no mundo ocidental – Rocard resgatou até Alexandre, o Grande – o político do partido socialista francês declarou que a soberania nacional dos países é um dos maiores empecilhos para acordos internacionais. “Hoje os Estados Nações estão cada vez mais tensos com a ideia de se trabalhar juntos”. Para ele, “o modo de organização ocidental está sobre paradigmas falsos”, no qual os governos não sabem o que fazer para lidar com as “poli-crises”. Neste ínterim, a imprensa noticia o drama instantâneo, e perpetua nas pessoas a falta de perspectiva a longo prazo. “Existe uma paralisia geral da governança”.
O ex-ministro acredita que o sistema de resolução adotado por algumas organizações internacionais, como a ONU, de unanimidade, trava a discussão política. Ela existe devido à tradição da “soberania nacional” iniciada com a consolidação dos Estados modernos. Para Rocard, este “apego” a soberania dos países é um sentimento anacrônico e impede que resoluções efetivas sejam tomadas em conferências como a Rio+20. “Os problemas agora não têm fronteiras. A soberania nacional não funciona mais, não é mais competente”, explica.
Ele alerta aos ouvintes que, para que a Rio+20 saia do “campo da linguagem” e vá para o campo da ação, é preciso acabar com este modelo de unanimidade nos conselhos e restabelecer a função da ONU, com sanções para os que não cumprirem as determinações de um vindouro documento. “É preciso encontrar um ponto de articulação entre a esperança e o bloqueio político, provocado pelo ‘absolutismo’ das nações soberanas. Todas as nações são co-responsáveis pelo mundo”.
Por fim, Rocard elogia a “coragem do Brasil” ao se colocar como anfitrião, mais uma vez, de um evento para discutir as mudanças de paradigmas socioambientais do mundo. Ele afirma que o País é jovem, poderoso, não-nuclear e por isso desperta pouca desconfiança em outros países do mundo, possibilitando o debate com mais potências. Assim como Edith, Rocard pede medidas concretas, além das palavras e protestos, para quebrar com o “funcionalismo jurídico” das organizações internacionais.
Dilma na ONU
Durante seu discurso na abertura da 66ª Assembleia-Geral da ONU, a presidente Dilma Rousseff defendeu um acordo “global, abrangente e ambicioso para combater a mudança do clima” e convidou os estadistas presentes a comparecer a Rio+20, em 2012. Dilma afirmou que “o mundo defronta-se com uma crise que é ao mesmo tempo econômica, de governança e coordenação política” e pediu a cooperação multilateral dos países.