São Paulo (AUN - USP) - O Instituto de Psicologia (IP) recebeu nos dias 23 e 24 de setembro a II Jornada de Análise do Comportamento (JAC) da USP. O evento, que está em sua segunda edição, é organizado por alunos de graduação e pós-graduação. Nesta edição, foram reunidos docentes do IP cujos trabalhos foram influenciados pela visita do psicólogo americano Fred Keller em 1961. Maria Helena Leite Hunziker, conhecida no Instituto como Tatu, foi uma das palestrantes convidadas, que apresentou à platéia do auditório Carolina M. Bori pesquisas desenvolvidas na área de pesquisa básica com sujeitos não-humanos sobre depressão. Graduada pela PUC-Campinas (Pontifícia Universidade Católica de Campinas) e doutora pela USP, a professora coordena o Laboratório de Análise Biocomportamental (LABC).
Para entender como é possível mimetizar com cobaias de laboratório um fenômeno tão complexo quanto a depressão humana, é preciso conhecer a orientação epistemológica dos pesquisadores que participaram da JAC. A análise experimental do comportamento (AEC) é uma das diversas abordagens teóricas dentro da psicologia, que tem o chamado behaviorismo radical como pressuposto filosófico. Para a AEC, o ser humano é produto e produtor de seu ambiente, de tal forma que é preciso observar como ele constrói sua relação com o mundo para entender a maneira como se comporta. O analista do comportamento deve estar atento para as variáveis que influenciam a maneira como a pessoa lida com seu ambiente. Por ser parte da natureza, o comportamento humano deve ser entendido da mesma forma que o comportamento de outros organismos, apesar de a análise levar em conta também aspectos exclusivos do ser humano - como o chamado comportamento verbal e a cultura extremamente desenvolvida.
A depressão, para a AEC, pode ser produzida por certas relações que o organismo estabelece com o ambiente. Uma delas é a exposição contínua a eventos aversivos sobre os quais o organismo não exerce controle, ou seja, uma situação de incontrolabilidade. Normalmente, o indivíduo pode agir sobre seu ambiente e eliminar eventos que lhe sejam desagradáveis; na condição de incontrolabilidade, porém, ele se vê diante de estímulos que causam sofrimento e não pode fazer nada a respeito. Após um certo período de tempo nessa situação, ele diminui a capacidade de aprender novas maneiras de lidar com aspectos aversivos do mundo e pode se tornar também menos sensível a situações que lhe seriam mais aprazíveis. Essa descrição pode ser encontrada facilmente nos manuais de psicodiagnóstico como os principais sintomas do que se chama hoje em dia de depressão.
Tatu afirma que a generalização dos resultados obtidos com as cobaias para os comportamentos humanos não deve ser de maneira acrítica. “Nenhum dos modelos de laboratório vai poder mimetizar integralmente a psicopatologia, mesmo porque ela não é um pacote fechado: é apenas um nome que se dá a uma série de comportamentos que podem variar muito de pessoa a pessoa”, explica a pesquisadora. Apesar de medicamentos antidepressivos possuírem efeito terapêutico, o psicólogo que utiliza essa abordagem para acompanhar um paciente parte do pressuposto que, alterando o ambiente no qual o indivíduo está inserido, é possível alterar a maneira como ele se comporta em relação a ele.
A professora também comenta sobre a atuação clínica e sua relação com a pesquisa em laboratório: “A pesquisa básica influencia o olhar do terapeuta para identificar as variáveis críticas das quais aquela depressão é função. Se há evidência de que a incontrolabilidade aversiva pode gerar depressão, o terapeuta irá investigar se existe esse quadro na vida da pessoa, e, existindo, irá buscar formas de ajudá-la a controlar o que pode ser apenas aparentemente incontrolável”.
No laboratório, após o sujeito experimental passar por uma situação de incontrolabilidade aversiva, que simula o ambiente que pode causar depressão, ele se torna menos sensível aos chamados estímulos reforçadores, que são aqueles teoricamente favoráveis à sobrevivência do sujeito no ambiente no qual está inserido. Os pesquisadores tentam, então, torná-lo novamente sensível a eles, para que ele possa aprender uma nova maneira de lidar com o ambiente. “Aprender a exercer controle sobre o seu ambiente contribui bastante para o tratamento de alguns casos de depressão. E, sendo de fato incontrolável a condição crítica nesse caso, o terapeuta buscará formas de a pessoa encarar isso como algo imutável na sua vida, o que não a impede de buscar outras formas de ter acesso a reforçadores”, descreve a professora. As descobertas em laboratório podem auxiliar os profissionais que lidam com seres humanos no que diz respeito à técnica da intervenção. Tatu comenta: “O terapeuta não pode mudar o imutável, mas pode ajudar o paciente a integrar essa realidade de uma forma que não o impeça de viver outras situações que podem estar presentes na sua vida. E isso pode significar sair da depressão”.