São Paulo (AUN - USP) - A matéria escura é o componente em maior quantidade nos aglomerados de galáxias. Diferente da matéria bariônica, que compõe todos os materiais conhecidos, a matéria escura não reflete nenhum comprimento de onda de luz do espectro eletromagnético. Ela é impossível de ser detectada visualmente, e este é o grande desafio da pesquisa de Rogério Monteiro, do Instituto de Astronomia e Geofísica (IAG), da Universidade de São Paulo (USP).
As galáxias são reuniões de várias estrelas e sistemas estrelados, e seus aglomerados são as maiores estruturas gravitacionalmente ligadas já encontradas no universo. As galáxias não estão espalhadas ao acaso no espaço, elas se estruturam e se organizam formando grupos ligados por meio da força gravitacional. A Via Láctea, por exemplo, pertence ao mesmo grupo da galáxia Andrômeda e das Nuvens de Magalhães, possíveis de serem observadas a olho nu. O aglomerado de galáxias soma um maior número de membros, é a reunião de vários grupos.
Rogério pesquisa dois desses sistemas, que possuem fortes evidências de que acabaram de sofrer colisão. Ainda há outra estrutura maior, os superaglomerados, mas ainda estão em formação. Assim vão se formando os superaglomerados, por meio do processo de fusão dos aglomerados menores, que se fundem e formam um maior. “É um cenário hierárquico, tem uma ordem a ser seguida. Ainda não houve tempo na história do Universo para eles se formarem”, completou.
Os aglomerados de galáxias são formados por três componentes principais: gás, galáxias e matéria escura. A matéria escura é o componente de maior massa dos aglomerados, significando 80% do total. O gás corresponde a 17% de toda massa dos aglomerados, e as próprias galáxias só consistem em 3% dessa massa. “Deveria se chamar aglomerado de matéria escura”, brincou Rogério.
As galáxias são conjuntos de vários sistemas estrelares, que emitem luminosidade visível a olho nu. Elas são o componente mais visível do aglomerado, sendo possível retratá-las por meio de telescópios ópticos. O problema é que ao observar um aglomerado de pontos de luz, é inviável detectar visualmente se elas estão realmente próximas ou se o objeto está mais adiante ou mais atrás no plano de profundidade. Isso torna difícil concluir dimensões precisas de distâncias.
Entre as galáxias existe um gás, mas sua imagem não é emitida no espectro magnético óptico, visível a olho nu. O gás é muito quente e emite ondas de raios-X. Apenas um satélite capaz de detectar raio-X identifica a emissão do raio, a posição do gás e sua densidade.
Todo o restante do aglomerado consiste em matéria escura. “Ninguém sabe muito bem do que se trata, a gente só sabe os efeitos que ela causa. Você não a enxerga, diferente da matéria bariônica, daí o nome ‘matéria escura’ ”, conta Rogério. A matéria bariônica é a matéria convencional, formada por partículas conhecidas como bárions: prótons, nêutrons e outras partículas subatômicas. Ainda não se sabe qual a constituição da matéria escura, mas ela não reflete os raios de luz, tornando impossível a formação de uma imagem visível.
“Se você não enxerga, como você pode falar que ela existe?”, brincou o pesquisador, que já sabia a resposta. Assim como a matéria bariônica, ela interage com a força da gravidade. Por meio do comportamento reativo à gravidade, é possível detectá-la, mesmo sem vê-la. Esta interatividade gravitacional pode ser percebida por meio do efeito de lentes gravitacionais, que permite saber onde a matéria escura está distribuída.
A técnica de lentes gravitacionais foi explicada pela Teoria da Relatividade Geral, de Albert Einstein. A Teoria demonstra que um corpo com alta concentração de massa gera um campo gravitacional capaz de desviar raios de luz, como uma lente. Planetas e estrelas podem gerar esses campos e fazer a função de lente no espaço. Os raios de luz propagam naturalmente em linha reta, quando ele é desviado pelo efeito lente, dá a impressão que ele veio de outra posição. “Eu tinha imagens ópticas do aglomerado que estudo, e a técnica de lentes é capaz de detectar onde esta a matéria escura”, explicou Rogério.
Apenas através da observação de indícios do comportamento desses três componentes, é possível inferir se o complexo de galáxias sofreu processo de colisão recentemente. Estas colisões acontecem em níveis de tempo astronômicos, não são instantâneas como uma explosão. Apesar disso, a colisão de galáxias é o evento mais energético do universo depois da explosão inicial que deu origem ao Universo, chamada Big Bang.
O foco da pesquisa foi levantar as distribuições de galáxias e de matéria escura e comparar com a distribuição de gás, para mostrar que ele estava deslocado com o provável cenário de pós-colisão. “Com meu trabalho, queremos lançar uma luz acerca da colisão de aglomerados, que é um mecanismo de formação de estruturas mais complexas. Este processo pode criar vínculos com a teoria cosmológica: falar se a teoria de formação de estruturas astronômicas faz ou não faz sentido”, concluiu Rogério.