ISSN 2359-5191

19/10/2011 - Ano: 44 - Edição Nº: 101 - Ciência e Tecnologia - Instituto de Ciências Biomédicas
Influência mercadológica na ciência compromete responsabilidade social

São Paulo (AUN - USP) - A conturbada relação entre a ciência e a sociedade, tanto no que se refere a criações que beneficiem a população e iniciativas de comunicação científica quanto à responsabilidade social da ciência, foi tema de palestra no segundo dia do Simpósio Brasil-Índia: Construindo Redes de Conhecimento, que acontece na USP até o dia 20 de outubro. O objetivo do simpósio é discutir temas que apresentam um desafio para ambos os países, no que se refere à criação de políticas econômicas e estratégias em educação, ciência e tecnologia.

Foi movida por essas questões que a Índia criou o Conselho de Pesquisas Científicas e Industriais (CSIR), cuja missão é “promover pesquisa na área industrial científica, para que seja possível ampliar os benefícios econômicos, sociais e ambientais para as pessoas em geral, ou seja, servir a sociedade”, explica Tariq Badar, secretário nacional da instituição. O conselho atualmente conta com 37 laboratórios de pesquisa distintos e cerca de 4.600 cientistas – trata-se do maior centro de pesquisa industrial do mundo ligado a um governo.

Além dos diversos produtos desenvolvidos, que são do interesse de grandes industriais a fazendeiros, donos de propriedades de pequeno porte, a CSIR trabalha com três frentes: no que corresponde aos bens públicos, os principais resultados foram o aumento da pesquisa científica, com impacto na indústria cada vez maior; a divulgação de matérias científicas em importantes periódicos da área e o aumento da quantidade de patentes do país. Entre os bens privados encontram-se a própria comercialização da tecnologia e a venda dos produtos finais desenvolvidos. Por fim, os bens estratégicos são soluções tecnológicas para a segurança nacional e a custódia do conhecimento tradicional da Índia. Ou seja, uso dos recursos de propriedade intelectual a fim de que ninguém possa usar as práticas nacionais sem dar crédito àqueles que a inventaram. “Estamos preocupados em traduzir, pesquisar, disseminar e proteger nossa tradição nessa área”, conta Badar

Outra iniciativa indiana para o desenvolvimento da ciência, em especial no que se refere à questão da divulgação científica, é o Conselho Nacional de Ciência e Comunicação de Ciência e Tecnologia (NCSTC). O principal objetivo desse órgão é a elaboração de campanhas que atinjam um público cada vez maior, inclusive analfabetos e pessoas de classes menos privilegiadas.

“O principal problema da comunicação cientifica é se perguntar: ‘esse conhecimento é útil para o público leigo? Como tirar o jargão cientifico e fazê-lo [o conhecimento] mais útil e acessível às pessoas?’”, acredita Manoj Kumar Patairiya, diretor do NCSTC. Para ele, diversos cientistas entendem comunicação da ciência como divulgação de suas áreas de atuação. Eles atribuem aos jornalistas a função de fazer a comunicação científica, ao passo em que alguns jornalistas a atribuem aos próprios cientistas. Enquanto não há um entendimento entre tais profissionais, é o público quem sai prejudicado pela cobertura científica falha.

Patairiya ainda aponta para um agravante dessa divisão de tarefas: quando um cientista escreve para o jornal, ele tende a ter menos bem recebido pelo público do que o jornalista. Mas os jornalistas que fazem esse trabalho não são reconhecidos por seus pares da área de comunicação. “Dentro desse cenário existe um desafio, que é desenvolver grupos de comunicadores e pesquisadores que possam juntos resolver esse problema”, diz ele.

Ciência mercadológica
“Hoje, na crise financeira, vê-se que talvez o mercado não seja a maneira mais eficiente de organizar a produção no setor científico, talvez as bases não devam ser o mercado”, defende Marcos Barbosa de Oliveira, professor da Faculdade de Educação (FE) da USP. A necessidade de que toda a inovação científica apresente uma aplicação rentável para empresas acaba por cercear a produção. É o que acontece com algumas pesquisas da área ambiental, que não raras vezes vão na direção oposta dos interesses das grandes empresas.

Trabalhar em escala mercadológica rendeu ainda à ciência uma necessidade de produzir de maneira constante. Os efeitos colaterais dessa pressão se manifestam pelo aumento de fraudes, plágios e outros tipos de más-condutas científicas, que atualmente representam uma grande preocupação da comunidade de pesquisadores. Prova disso foi o recente lançamento de um “código de boa conduta científica”, tanto pela Fapesp quanto pelo CNPq.

Desacelerando
Oliveira é um dos defensores do Manifesto Slow Science (que pode ser traduzido como “ciência lenta”). A iniciativa veio de um grupo de acadêmicos alemães, com uma reivindicação simples: mais tempo para os cientistas fazerem pesquisa.

A diminuição do ritmo de publicações dos cientistas tornaria possível uma melhor análise de dados e hipóteses durante a pesquisa, resultando conclusões mais certeiras e aprofundadas. A necessidade de um movimento desse tipo vem da imposição mercadológica à ciência: quem publica mais, é mais lido e citado, consegue mais recursos para pesquisa.

“O exercício da responsabilidade social na ciência implica em uma reflexão séria, que deve ser um empreendimento coletivo, um grande debate que possa ter conseqüências concretas e determinar os rumos da pesquisa”, explica Marcos. “Para que isso ocorra, o pesquisador precisa de tempo e energia para dedicar à reflexão”.

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