São Paulo (AUN - USP) - Crianças e jovens surdos que se comunicam por meio da Língua Brasileira de Sinais (Libras) sentem dificuldade na hora de aprender a gramática da língua portuguesa, principalmente, o uso da flexão verbal de tempo. Partindo desse princípio, a pesquisadora Aline Nascimento Crato, mestre em fonoaudiologia pela Universidade de São Paulo (USP), estudou a maneira como os surdos flexionam os verbos no português escrito para compreender melhor esse processo.
O Brasil tem 928 mil alunos com necessidades especiais, segundo dados do Censo Escolar 2010. Destes estudantes, 4,3% são surdos e estão matriculados nas escolas de educação básica. Apesar disso, nem todos os docentes tem uma noção básica de língua de sinais e estão preparados para lidar com as necessidades desses estudantes. “Todos os professores que trabalham com surdos sinalizadores, que são aqueles que se comunicam através de sinais, têm que saber Libras”, diz Aline.
De acordo com a fonoaudióloga, o conhecimento de Libras dos professores é importante porque, quando os surdos sinalizadores aprendem português, eles acabam utilizando estruturas da língua de sinais para se comunicar na língua escrita. Ela explica que é necessário que o professor saiba as estruturas da Libras para que, ao ensinar o português, ele consiga compreender como funciona a lógica de comunicação do surdo.
A diferença estrutural das línguas se manifesta, principalmente, na hora de utilizar a flexão verbal de tempo. Aline conta que na língua de sinais não existe flexão verbal e que, para marcar o tempo da frase, os surdos usam um verbo mais um advérbio de tempo. Como exemplo, ela aponta a frase “Já comi”, que, se for traduzida de Libras para português, seria algo como “Comer já”.
Avaliação dos alunos
Por isso, a pesquisadora defende que essa dificuldade seja levada em conta na hora da avaliação dos alunos que não podem ouvir. As crianças surdas não têm um conhecimento prévio da língua portuguesa, que é o conhecimento oral. Segundo a fonoaudióloga, quando um surdo sinalizador começa a aprender português, deve-se considerar que esta será sua segunda língua e que tudo é novo para ele. “Só podemos cobrar dos alunos o que foi ensinado a eles”, afirma.
Apesar das dificuldades iniciais dos estudantes, a pesquisa também mostrou que os estudantes que participaram do teste e estavam nas séries mais avançadas do ensino fundamental tiveram desempenho superior aos outros alunos. Esse fato sugere que, com o avanço da escolaridade, os alunos conseguem superar a dificuldade em flexionar os verbos.
Metodologia
O estudo foi realizado com 18 estudantes surdos desde o nascimento, com idade entre 15 e 23 anos, escolaridade de 3ª a 6ª série do ensino fundamental, matriculados em sala regular de escola pública, usuários da Língua Brasileira de Sinais, filhos de pais ouvintes e sem comprometimentos associados à surdez.
Durante a pesquisa, eles foram avaliados quanto ao conhecimento em Libras de nove verbos de ação, por meio de cartelas contendo figuras que os representavam. Em seguida, foram orientados a elaborar três frases escritas na língua portuguesa e na língua de sinais com cada verbo, sendo uma no tempo passado, uma no presente e uma no futuro. Os dados foram avaliados qualitativa e quantitativamente, o que permitiu demonstrar a necessidade apontada pela pesquisadora de se repensar as práticas de ensino da Língua Portuguesa para alunos surdos sinalizadores.