São Paulo (AUN - USP) - Valéria Melki Busin, doutoranda pelo Instituto de Psicologia (IP) da USP, esteve à frente de um debate aberto no último dia 27 que teve como tema Religião, gênero e diversidade sexual: refletindo sobre violência simbólica e exclusão. O evento faz parte de um ciclo de debates intitulado “Ciclo Diversidade na Biblioteca”, promovido pela Biblioteca Dante Moreira Leite com o objetivo de discutir as questões que atravessam a diversidade sexual.
Busin iniciou a conversa com explicações sobre o que é violência. Defensora dos direitos humanos, ela afirma que a violência é a violação dos direitos de uma pessoa, sejam eles civis, políticos, sociais, econômicos ou culturais. Ela pode ser física, sexual, psicológica ou simbólica. Esta última manifestação da violência foi a que motivou grande parte do debate, pois ela se caracteriza por estar apoiada em crenças e preconceitos coletivos que legitimam as outras formas de violência. Ela não é dada de maneira explícita, mas contribui para perpetuar as situações de desigualdade e causa sofrimento. Segundo Busin, as pessoas que defendem, por exemplo, que o Brasil é uma democracia racial frequentemente ignoram as dimensões que a violência simbólica ainda toma em nosso cotidiano.
A palestrante fez mestrado na PUC, quando pesquisou de que maneira o ideário católico influencia a construção da auto-imagem de gays e lésbicas. “Também queria investigar se, pelo catolicismo ser patriarcal, essa influência se dava de forma diferente para homens e mulheres homossexuais”, explica Valéria, que pretende continuar com o tema desigualdade de gênero na atual pós-graduação. “No doutorado, quero investigar por que a sociedade legitima a violência contra as travestis”, comenta. “A idéia é tentar contribuir, de alguma forma, para acabar com essa violência que é terrível para as travestis”.
Valéria acredita que a formação dos psicólogos ainda é muito deficitária quanto à conscientização das questões de gênero e também quanto à preparação para lidar com essa realidade. “Mas a gente, como profissional, pode atuar de muitas maneiras: ajudando as pessoas a pensarem no assunto, produzindo materiais didáticos, promovendo discussões”, afirma, dizendo que, como membro da comissão Sexualidade e Gênero do CRP/SP (Conselho Regional de Psicologia de São Paulo), tem trabalhado para conscientizar a categoria a respeito das questões de desigualdade de gênero e da diversidade sexual, com produção de materiais, manifestos, palestras e debates.
Membro da ONG Católicas pelo Direito de Decidir, Busin explica que não há um consentimento sobre o início da vida até mesmo dentro do catolicismo. “A idéia de que uma vida humana se inicia na concepção é relativamente recente, se pensarmos na história da Igreja Católica”, esclarece. “Os primeiros padres da Igreja condenavam o aborto não pela eliminação de uma vida, mas porque a prática era utilizada para esconder sexo ilícito, ou porque a finalidade do ato sexual – procriação – teria sido desrespeitada”.
Ela também fez um comentário sobre o que dizia Santo Agostinho, no século 5: “A lei não prova que o ato [aborto] seja um homicídio, pois não se pode dizer ainda que há uma alma viva num corpo que carece de sensação quando não está formado de carne e, portanto, ainda não dotado de sentidos”. A história da relação da Igreja com o abortamento provocado mostra que a proibição nem sempre se configurou como ela é dada hoje em dia. “Até 1869, mesmo condenando o aborto, a Igreja afirmava que havia distinção entre feto sem alma e feto com alma. São Tomás de Aquino afirmava que a ‘hominização’ seria protelada até o feto desenvolver um corpo capaz de recebê-la. Ou seja, não se dava no momento da fecundação do óvulo”, ensina a pesquisadora.
Busin utiliza outros argumentos embasados na própria religião para defender a descriminalização deste direito da mulher. “Para nós, o princípio mais importante é o recurso à própria consciência, um fundamento católico que tem sido pouco difundido pela hierarquia da instituição”, diz. “Quando um católico se vê numa posição dilemática, ele ou ela, em última instância, pode recorrer à sua própria consciência para tomar uma decisão, que será legítima mesmo que seja contrária aos ensinamentos da Igreja Católica”, explica. “O Ratzinger [Bento XVI], quando era cardeal, também falava sobre isso, agora, que é Papa, se esqueceu completamente disso”.
O debate teve como tema central questões de gênero e contou com diversos exemplos trazidos pela plateia, que participou ativamente citando fenômenos cotidianos e midiáticos (como peças publicitárias machistas) que ilustram formas de violência simbólica contra a mulher e contra orientações sexuais que fogem ao padrão heteronormativo. A palestrante mostra qual é o objetivo de sua militância e da ONG: “Todos e todas queremos uma vida em paz, sem violência, sem medo. Por isso, defender a vida é também defender a vida de milhares de mulheres que morrem por abortamento inseguro”.
O quinto debate do ciclo ocorre dia 10 de novembro, às 14h, no Auditório Aurora Furtado (sala 20 do bloco B). Ele contará com a exibição do filme “Transamérica”, que será seguida por um debate com o convidado Dário Neto, doutorando pela FFLCH.