São Paulo (AUN - USP) - Seja para leigos ou para especialistas, a física e literatura parecem ser, indubitavelmente, dois campos de estudos totalmente separados, sem a menor ligação entre si. No entanto, o professor João Zanetic, do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IF), discorda veemente e acredita que a arte e a ciência têm muito a contribuir um com o outro. Além da interdisciplinaridade, a proposta de Zanetic de integração dos dois estudos contempla uma construção mais inteligente do saber, que não esteja limitado somente aos seus próprios universos.
Em palestra realizada em novembro no IF, o professor conta que começou a pensar em uma proposta para essa ponte entre humanas e exatas devido ao seu interesse por história e Filosofia da Ciência, disciplinas que o distraíam do conteúdo mais teórico e pesado da física. Alguns dos textos que lia para essas aulas eram escritos de forma muito literária, o que lhe causou grande impacto. “A literatura é uma ótima droga para fugirmos, às vezes, de momentos dramáticos da vida”, declara Zanetic. Ele acredita que essa relação de “fuga” também pode ser aplicada a estes dois campos, para tornar seus estudos mais “dinâmicos, úteis e agradáveis”.
Ciente de que a maioria dos físicos não entenderia ou aprovaria sua sugestão de aproximação entre física e literatura, o professor estudou vários escritores de diferentes épocas, com o intuito de formular um método prático de integração. Ele identifica duas grandes “famílias”: os escritores de veia científica e os cientistas de veia literária. No primeiro grupo, estão escritores como Kant, Goethe, Julio Verne, Dostoiévski, Allan Poe e os brasileiros Augusto dos Anjos e Monteiro Lobato. Ao segundo, pertencem figuras como Giordano Bruno, Kepler e Charles Darwin. A partir da análise das obras de intelectuais desses dois grupos, pode-se perceber a influência que textos de caráter mais literários exercem na construção do conhecimento na física, sobretudo no âmbito da história dessa ciência.
Para enfatizar a importância que uma relação íntima entre a física e a literatura poderia ter, o professor destaca a obra literária do americano Edgar Allan Poe, em especial o ensaio Eureka. O texto, que trata essencialmente da origem do universo e da metafísica, é claramente influenciado pelo empirismo positivista, corrente ideológica predominante no momento histórico em que foi publicado (1848). Apesar de não poder ser lido como um texto científico, dado que é exploratório, Eureka ressalta como a literatura consegue absorver conceitos da física. O contrário, portanto, também seria válido.
Dostoiévski é outro escritor que se destaca, na visão do físico. No romance Os Irmãos Karamazov, o russo teria levantado questões que somente seriam respondidas pela Física décadas depois. Como exemplo, Zanetic cita a teoria da relatividade, explicada por Albert Einstein por volta de 1905 – quase trinta anos após a publicação do romance de Dostoiévski. Assim, o professor ressalta que a arte também pode antever importantes fatos à ciência, mesmo que através de especulações e da ficção.
Apesar de acreditar em seus estudos, João Zanetic entende que a aceitação de sua proposta seria difícil. “Seria uma sugestão para o próximo milênio”, brinca. Sua sugestão se aproxima da ideia da criação de uma “terceira cultura”, do físico Charles Percy Snow. No livro Duas Culturas, Snow defende o surgimento de uma nova cultura, formada de literatos com um bom conhecimento de ciência. Para ele, a separação existente entre as ciências humanas e exatas dificultava muitas das soluções necessárias para a época em que vivia, marcada pela Guerra Fria.