São Paulo (AUN - USP) - A jovem democracia brasileira pode não estar tão consolidada quanto se imagina. É o que afirma o professor Jorge Zaverucha, pós-doutor em Ciência Política pela University of Austin. Para ele, se analisarmos a relação civil-militar, a melhor descrição do sistema político brasileiro é a semidemocracia. Isso significa que, mesmo com os recentes avanços, ainda persistem enclaves militares e autoritários anos depois da transição democrática.
“Podemos querer mudar a Lei da Anistia, mas se os militares não quiserem, ela não muda. Isso não é um fator de poder?”. Ele acredita que isso é apenas uma das consequências do grande poder de influência que os militares ainda possuem, apesar do fim do regime ditatorial que impuseram ao país.
De acordo com o professor, quando grupos conseguem limitar a atuação de governantes democraticamente eleitos, a democracia está sendo diminuída. Ele diz que só é possível afirmar que existe um regime democrático se os militares estiverem sob controle civil.
Brecha para golpe militar na Constituição
Zaverucha vai mais além e faz uma interpretação polêmica da Constituição de 1988. Segundo o professor, o artigo 142 abre uma brecha para que haja um golpe militar constitucional. O artigo diz, entre outras coisas, que as Forças Armadas (Marinha, Exército e Aeronáutica) destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.
Pela leitura do pesquisador, o artigo coloca legalmente as Forças Armadas fora da lei e permite que, a qualquer momento, elas o invoquem e dêem um golpe com a justificativa de proteger a ordem. Assim como aconteceu em 1964. “Como podem as Forças Armadas definirem quando há ordem ou não no campus, na política?”.
O cientista político concorda que os militares também fazem concessões, mas não acredita que elas sejam feitas em pontos estratégicos. Para ele, os militares nunca vão aceitar, por exemplo, que um deles seja julgado por tortura em um tribunal civil. Porém, o contrário acontece. Ele explica que um civil que bata em um carro do Exército, por exemplo, responde a um processo na Justiça militar.
De acordo com o pesquisador, o Brasil é um dos únicos países no mundo em que a principal polícia e o corpo de bombeiros ainda estão vinculados ao Exército. “Aqui, as pessoas que são treinadas para salvar vidas são submetidas às mesmas regras de quem é treinado para matar. Como achar isso normal?”, aponta.
E não é preciso citar assuntos controversos como as leis acima para encontrar exemplos parecidos. Na recente ocupação da favela da Rocinha, pouco se explicou o fato de ela ter sido realizada pela Marinha brasileira. “O Ministro da Defesa pediu, mas o Exército se negou a entrar na Rocinha”, afirma o professor. “Fomos para um tal de democracia e mantemos a mesma coisa do regime militar”.