São Paulo (AUN - USP) - “No que tange às assimetrias de gênero, as vanguardas não foram capazes de romper as desigualdades, mas antes as reatualizaram.” A afirmação é da professora Ana Paula Simioni, do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB). Ela participou da mesa Mulheres no modernismo, realizada no último dia 19 de abril, no Auditório do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH/USP). A discussão fez parte do seminário 90 anos da Semana de Arte Moderna: debates, promovido pelo IEB.
Ana Paula falou sobre a carreira da arte-decoradora Regina Gomide Graz. Regina é um caso emblemático, pois muito de sua obra é atribuída a John Graz, arquiteto com quem era casada e com que realizava os projetos em parceria. “O que cabia ao John? Aquilo que dura, o que é mais nobre, o que é mais elevado, o que é mais artístico. E o que cabia a Regina? Aquilo que era percebido como mais delicado, mais fútil, mais associado às prendas do lar e do feminino, ou seja, os tapetes, as cortinas e as almofadas.”
Segundo Ana Paula, a divisão de gêneros artísticos e a relação de cada um deles com o feminino e o masculino tem explicação histórica. “Desde o século 16 até o final do 19 se monta uma equação: as mulheres são incapazes de fazer os gêneros mais elevados, calcados no desenho e nas grandes habilidades das belas artes, porque elas são destituídas das condições de aprendizagem.”
Além disso, havia todo um discurso para legitimar essa divisão. “Como os imaginários sociais criam isso? A partir dessa ideia de um suposto eterno feminino, uma condição feminina natural e essencial, que faz com que as mulheres sejam propícias para determinadas atividades: as mais delicadas, as mais calcadas em trabalho manual e, por fim, as mais desvalorizadas.”
Madame Chrysanthème e Pagu
Outras duas figuras femininas relacionadas ao modernismo brasileiro foram objeto de falas no debate: a escritora Cecilia Moncorvo Bandeira de Mello Rebello de Vasconcellos, que assinava suas obras com o pseudônimo de Madame Chrysanthéme, e Patrícia Galvão, mais conhecida pelo seu apelido, Pagu.
Maria de Lourdes Eleutério, doutora em Sociologia pela USP e professora da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap) e da Universidade Anhembi Morumbi, apresentou um panorama sobre a obra de Madame Chrysanthème, que, além de escritora, também era jornalista. “Sua obra denota o quanto a autora era familiarizada com os mais diversos ambientes da cidade do Rio de Janeiro e transitava pelas ruas, o que era razoavelmente difícil naquela época. Era uma repórter do cotidiano.”
A docente destacou o livro Memórias de um Patife Aposentado e, usando como base o ensaio Dialética da Malandragem, de Antonio Cândido, traçou um paralelo entre a obra e Memórias de um Sargento de Milícias, clássico de Manuel Antônio de Almeida.
Já Heloísa Pontes, pesquisadora do Núcleo de Estudos de Gênero Pagu, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), falou sobre a modernista que dá nome ao grupo. Foram abordadas a trajetória de vida de Pagu, seu envolvimento com a causa operária e sua atuação como escritora – com destaque para o livro Parque Industrial –, jornalista e crítica literária, com sua participação no suplemento literário do Diário de S. Paulo, nos anos 40.
Heloísa também reafirmou a assimetria de gênero existente no início do século. “Não só interessa o que ela [Pagu] escreveu ou fez, mas interessa entender as dinâmicas da produção social e cultural e dos tipos de constrangimentos que as mulheres enfrentaram nesse período, num momento em que o campo intelectual era marcadamente masculino.”