São Paulo (AUN - USP) - Mário de Andrade, Gilberto Freyre e Monteiro Lobato não nos legaram apenas suas obras, mas também grandes pistas, como crônicas, memórias, cartas e conferências, para entender melhor o modernismo brasileiro. Elas foram o tema da mesa Prosa e memorialismo, que aconteceu no dia 18 de abril, no Auditório do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. O evento fez parte do seminário 90 anos da Semana de Arte Moderna: debates, promovido pelo Instituto de Estudos Brasileiros (IEB).
Os professores José Luís Jobim (Universidade Federal Fluminense/UFF), Antonio Dimas (FFLCH/USP) e Marisa Lajolo (Universidade Estadual de Campinas/Unicamp) discutiram seus trabalhos sobre o assunto com a mediação de Marcos Antonio de Moraes, docente do IEB.
Jobim falou sobre o legado de Mário de Andrade. O intelectual modernista não escreveu um livro de memórias, mas suas cartas e a conferência O movimento modernista, de 1942, fornecem informações sobre a evolução da opinião de Mário ao longo do tempo. “Como memórias, o narrador da conferência não compartilha da sua mesma visão de quando mais jovem. Enquanto o narrador das cartas dos anos 20 está produzindo sua obra e sua teorização sobre ela, o mais velho, da conferência, lança um veredicto desencantado sobre o que fez e pensou no passado.”
Algo semelhante ocorre com os textos de Gilberto Freyre. Dimas explica que os gêneros são responsáveis por parte da diferença de construção. “Nas crônicas [escritas nos EUA entre 1918 e 1920], exatamente por elas serem feitas no calor da hora, para serem enviadas para o jornal, você vai perceber uma construção diferente da Nova York que aparece nas memórias.”
Essa diferença na constituição de cada gênero acaba por gerar dois retratos distintos do sociólogo. “As primeiras crônicas de 1920 respiram ímpeto, juventude, sedução e sensualidade. Já a segunda imagem, dos anos 60, se enquadra na serenidade posada: aos 70 anos, é importante deixar uma imagem positiva”, explica o professor.
Já Marisa Lajolo se concentrou em analisar o discurso de alguns textos de Monteiro Lobato, tomando o texto A nova narrativa, de Antonio Cândido, como ponto de partida teórico da análise. Em Autobiographia, publicado na revista A novela semanal, Lobato desconstrói a biografia característica de autores, afirmando uma formação intelectual medíocre. “Vejam que tenho aqui a construção de uma máscara de autor que é, na verdade, antimáscara. Ele não está dizendo 'eu sou ótimo, maravilhoso, nasci para ser escritor'”, mostra a professora.
A pesquisadora também alertou sobre a importância de se questionar o que está escrito nas cartas. Ela exemplifica usando A barca de Gleyre, livro que reúne a correspondência de Lobato para Godofredo Rangel. O escritor conta, numa carta de 1909, que recebeu dez mil réis por um conto publicado em A Tribuna, de Santos. Já em outro escrito, de 1943, ele recupera o que escreveu e diz que, pelo que se lembrava, tinham sido apenas cinco mil. “A gente acredita que as cartas não mentem jamais, mas isso não é verdade: as cartas mentem o tempo todo.”